1.1 – O “Autismo Infantil Precoce”, segundo Léo Kanner*
Léo Kanner influenciou, direta ou indiretamente, o pensamento sobre o autismo. Assim sendo é necessário resgatar seu pensamento original, entrando em sua obra, refletindo sobre as descrições e as conceituações, bem como acompanhar a evolução do seu pensamento, para que possamos compreender melhor o rumo que o destino dessas crianças tomou por tanto tempo.
Léo Kanner era médico psiquiatra de origem austríaca, fez seus estudos de medicina na Universidade de Berlim, mas se instalou nos Estados Unidos no início do século XX. Em 1930 foi aceito no departamento pediátrico no John Hopkins Hospital, em Dakota do Sul. Seus colegas e discípulos o descreviam com um grande diferencial, Kanner via as crianças como elas eram e não como adultos em miniatura. Rapidamente Kanner se tornou uma autoridade reconhecida no campo da psiquiatria infantil, publicando em 1935 o primeiro livro sobre psiquiatria infantil nos Estados Unidos, livro este que se tornou referência no meio médico.
Entre 1938 e 1943, Kanner teve sua atenção voltada para um grupo de crianças “cujo estado difere tão marcada e distintamente de tudo o que já foi descrito anteriormente, que cada caso merece uma consideração detalhada de suas fascinantes particularidades”[1]. Em 1943, o autor publica a seu artigo mais importante intitulado “Distúrbio Autístico do Contato Afetivo”[2]. No ano seguinte, retoma sua descoberta e passa a denominar esta nova síndrome de “Autismo Infantil Precoce”[3].
O artigo inaugural de Kanner obedece às normas de apresentação científica do tipo experimentalista que traz a descrição dos fatos observados, a discussão e os comentários, onde sugere a especificidade da descoberta. Na introdução, após destacar a originalidade do material a ser apresentado, Kanner faz uma exposição clínica detalhada onde descreve os onze casos das crianças por ele observadas. Em seguida apresenta sua discussão, ou melhor o agrupamento dos sintomas para poder escrever a síndrome, e por último os comentários onde sugere, então, uma nova etiologia possível.
Os sujeitos desta pesquisa realizada eram 11 crianças, entre elas três meninas e oito meninos com idades entre 2 e 11 anos, que foram observados e descritos por Kanner e sua equipe. As crianças lhe foram encaminhadas por diferentes diagnósticos, tais como esquizofrenia infantil, surdez, fracas de espírito e desenvolvimento incomum ou retardado. Mesmo trazendo variações individuais em diversos aspectos, como coloca Kanner “nos graus de seus distúrbios, nas manifestações familiares e em sua evolução ao longo dos anos”[4], o que chamou a atenção de Kanner foram certas características comuns essenciais, que se destacavam e formavam uma síndrome única. Nada parecido havia sido descrito anteriormente. “O distúrbio fundamental mais surpreendente, “patognômico” é a incapacidade destas crianças de estabelecer relações de maneira normal com as pessoas e situações, desde o princípio de suas vidas”[5].
Além da linguagem médica, Kanner também utilizou descrições fenomenológicas para descrever o isolamento das crianças observadas. Eram expressões usadas pelos próprios familiares e pelos clínicos como: “auto-suficiente” “se bastando a si mesma”; “como em uma concha”; “mais contente sozinha do que com outras pessoas”; entre outras.
Kanner observou que existia, desde o princípio, um fechamento autístico extremo[6], o que faz com que a criança negligencie, ignore ou recuse tudo o que vem do exterior, seja um contato físico, um ruído, um movimento, tudo o que fosse sentido como intrusivo e ameaçasse tirá-la de seu isolamento.
Kanner cita em seu artigo o trabalho desenvolvido por Gesell, um pesquisador renomado na área de desenvolvimento infantil, que descreve o comportamento normal de um bebê de apenas 4 meses de idade em relação a atitudes antecipatórias como inclinar o rosto para o outro que se aproxima ou estender os braços para ser aconchegado ao colo. Estas são atitudes antecipatórias de caráter universal, ou seja, observada nos bebês independente do meio cultural. Gesell segue dizendo que o lactente aprende a ajustar seu corpo ao corpo da pessoa que o carrega, ainda nos primeiros meses de vida e que tem uma atitude antecipatória para ser pego no colo pelo outro.
Este fechamento autístico extremo descrito por Kanner neste grupo de crianças, figura como um fechamento tão primitivo que elas fracassam até mesmo em manter estes comportamentos de uma atitude antecipatória. É como se estas crianças não encontrassem conforto ou uma forma de ajustarem seu corpo no colo de seus pais, tomam como invasivas estas atitudes e reagem com indiferença e rigidez muscular. A falta dessa atitude antecipatória, devido sua precocidade, reforça para Kanner o caráter inato desta síndrome.
A capacidade de falar das crianças observadas por Kanner e sua equipe não estabelecia caráter comunicativo, a linguagem utilizada por essas crianças não servia para transmitir mensagens aos outros, consistia apenas em repetir nomes, tinha um uso bem específico e desconexo, fugia do caráter humano da linguagem enquanto instrumento destinado a receber e enviar mensagens dotadas de sentido. A fala se caracterizava por repetições imediatas de algo que tinham acabado de escutar ou repetições de falas antigas, que Kanner denominou de ecolalia atrasada. Não só as palavras eram repetidas por estas crianças, mas também a entonação.
As palavras usadas pelas crianças do grupo de Kanner não conseguiam fugir de um sentido literal e inflexível. Existia uma ausência de frases espontâneas. Estas crianças não usavam corretamente os pronomes pessoais trocando o ‘eu’ pelo ‘você’, como uma espécie de eco reproduzindo o que as pessoas haviam lhe dito. Um exemplo dessa dificuldade em usar os pronomes devidamente está bem clara no caso de Paul, uma das crianças descritas neste artigo de Kanner, quando para expressar seu desejo em comer um bombom dizia: “Você quer um bombom?”, ou no caso de Charles que dizia: “Eu dou isso pra você!”, quando queria pedir alguma coisa pra outra pessoa. Estas crianças também não se referiam a si próprias usando seus nomes.
O uso ecolálico que estas crianças faziam dos nomes que ouviam, Kanner acreditava que não se dava por elas estarem “atentas” ao que se falava para elas, nem mesmo nestes momentos Kanner via ligação destas crianças com o mundo a sua volta.
Kanner descreve o quanto que as crianças que ele observou controlavam de certa forma o que acontecia ao redor delas e quanto tudo isso as afetava, porque, como coloca o autor “Há uma necessidade poderosa de não serem perturbadas. Tudo o que vem do exterior e ameaça alterar seu meio interno ou externo, representa uma intrusão assustadora.”[7]. A alimentação, os ruídos fortes, os objetos incompletos ou em movimento eram algumas das situações sentidas como invasivas por essas crianças, que por ameaçar tirá-las de seu isolamento muitas vezes desencadeavam uma reação de horror e crises de pânico. Estas crianças até se identificavam com alguns movimentos repetitivos, desde que estes reforçassem seu estado de isolamento autístico ao invés de tentar interromper. Kanner denominou esta necessidade observada nestas crianças em não serem perturbadas de “necessidade obsessiva”[8] ou de “desejo fundamental de ausência de mudança”[9].
Segundo Kanner, o medo da incompletude e da mudança pareciam ser dois fatores essenciais na explicação da limitação da atividade espontânea e, conseqüentemente, das repetições monótonas presentes nos comportamentos das crianças deste grupo.
Em relação à memória dessas crianças, Kanner a descreve como fenomenal, inclusive por causa dessa insistência sobre a ausência de alteração das coisas ao seu redor e na sua rotina. Um exemplo da surpreendente capacidade de memorização pode ser vista na descrição que Kanner faz de uma das crianças, o pequeno Charles com apenas um ano e meio, era capaz de reconhecer dezoito sinfonias nomeando o compositor logo nas primeiras notas musicais. Kanner colocava que mesmo através desta capacidade, as crianças não tinham o intuito de se comunicar ou de interagir com as outras pessoas.
A relação que estas crianças estabeleciam com os objetos era melhor e mais duradoura do que o interesse e as trocas pelas pessoas a sua volta. Os objetos por terem uma constância na sua forma não apresentavam ameaças pra elas, portanto na presença dos objetos, estas crianças experimentavam uma sensação gratificante de onipotência e controle.
Em contrapartida, Kanner ao descrever o modo de relação das crianças por ele observadas com as pessoas, defende que seria errado dizer que elas não percebem a presença dos outros. Muitas vezes a presença das outras pessoas representam o mesmo que um móvel ou um objeto. Evitam ao máximo olhar no rosto das pessoas e nunca olham nos olhos. Tratam as pessoas de uma maneira estratificada, ou seja, partes das pessoas como se fossem objetos em si. Esta parece ser a maneira de lidar com a imprevisibilidade do comportamento humano, pois a busca de um isolamento profundo domina todo o seu comportamento, seus rituais e suas trocas com o mundo externo.
Kanner tentou insistentemente provar o fator orgânico envolvido na patologia, mas no plano físico não conseguia encontrar anomalias congênitas que pudessem justificar a patologia. Mesmo considerando estas crianças retardadas e limitadas, Kanner se surpreendeu com as boas potencialidades cognitivas expressas através da excelente memória e do rico vocabulário. Não traziam traços fenótipicos que as agrupassem num grupo homogêneo como as crianças com Down, por exemplo, todas as crianças observadas por Kanner tinham fisionomias inteligentes, mas pareciam estar sob certa tensão ansiosa quando em companhia de outros que podiam interromper seu isolamento. Eram também muito hábeis quanto à atividade motora global, em especial a coordenação motora fina. Quando sozinhas com seus objetos chegavam a sorrir e cantarolar, apesar da monotonia.
De acordo com as palavras do autor “Os desejos fundamentais de isolamento e ausência de mudança permaneceram essencialmente idênticos com o passar dos anos, mas houve em grau variado, ruptura da solidão extrema, aceitação de pelo menos algumas pessoas na esfera da criança e aumento suficiente do número de situações vividas para refutar a impressão anterior de extrema limitação do conteúdo ideacional da criança”[10]. É como se essas crianças tivessem aprendido um mínimo de recursos para terem relações superficiais com as pessoas a sua volta, talvez até mesmo para atender algumas das solicitações dessas pessoas, para que pudessem então voltar para seu isolamento sem serem mais perturbadas.
Um outro fato de extrema importância que surge nas primeiras descrições de Kanner é que todas as crianças observadas neste grupo tinham antecedentes familiares extremamente inteligentes. Kanner chama a atenção para o fato de que entre essas crianças raros eram os pais calorosos, considerando os familiares interessados mais em coisas abstratas do que pelas próprias pessoas ao seu redor, prevalecendo relações frias e formais. Existia no ambiente familiar destas crianças a presença de aspectos obsessivos. Estes fatores levaram o autor a questionar até que ponto a relação com o ambiente familiar contribuía para o estado da criança. Esta observação anuncia outros trabalhos posteriores que denunciam traços patológicos dos pais destas crianças.
Kanner, entretanto, tentou de maneira incisiva buscar elementos que pudessem lhe dar indícios de que havia a existência de fatores orgânicos, congênitos ou mesmo genéticos, porque como ele disse: “O fechamento autístico extremo destas crianças desde o princípio de sua vida, torna difícil atribuir todo este quadro exclusivamente ao tipo de relações parentais precoces de nossos pacientes.”[11] De acordo com este pensamento restou ao autor “supor” que estas crianças vieram ao mundo com uma incapacidade inata de estabelecer contato afetivo com as pessoas, estas crianças eram como o próprio Kanner colocou, “exemplos puros de distúrbios autísticos inatos do contato afetivo”[12]. Desta forma Kanner buscou estudos que permitissem fornecer critérios concretos relativos às noções dos componentes constitucionais da reatividade emocional.
Como descrito anteriormente, o que mais chamou a atenção de Kanner foi a incapacidade das crianças observadas em seu estudo em estabelecer relações de maneira normal com as pessoas e as situações, desde o começo de suas vidas. O isolamento, descrito por Kanner como um fechamento autístico extremo, é o que caracteriza o sintoma patagnomônico em sua primeira descrição desta nova síndrome em 1943. Ancorado na sua “suposição” de que estas crianças nasceram com esta incapacidade, algo biologicamente previsto, é que Kanner tenta mostrar como o autismo infantil precoce se diferenciava da esquizofrenia, já que o autismo extremo, os traços obsessivos, a estereotipia e a ecolalia estabelecem o quadro global em relação a certos fenômenos tipicamente esquizofrênicos.
A grande diferença do autismo infantil precoce com a esquizofrenia infantil, pontuada por Kanner, era que não se tratava de uma ruptura de relações que já haviam sido estabelecidas. As crianças do grupo de Kanner não passavam por um desenvolvimento normal que ia gradualmente se modificando, mas sim apresentavam um desenvolvimento atípico desde o nascimento. O autor coloca que mesmo nos casos mais precoces como a demência precocísssima de De Sanctis ou nas descrições de Heller sobre a demência infantil, as crianças haviam passados por pelo menos dois anos de desenvolvimento normal. Já as crianças do grupo de Kanner mostravam, desde o princípio de suas vidas, serem incapazes de manterem relações afetivas com as pessoas ao seu redor, fechadas em um isolamento extremo sem reagir a nada vindo do mundo exterior.
Em 1944, Kanner agrupa os quatro sintomas: o isolamento extremo, os traços obsessivos, a estereotipia e a ecolalia, que combinados estabelecem o quadro global do que Kanner denominou de autismo infantil precoce. O propósito de Kanner em nomear esta nova síndrome descrita por ele foi de conferir o status de uma nova patologia nos manuais de psiquiatria e não apenas figurar como mais um conjunto de sintomas dentro do grupo das esquizofrenias. Ao insistir sobre a especificidade do autismo, a preocupação de Kanner era fazer nomear uma síndrome clínica particular e completa que se distinguisse radicalmente da esquizofrenia, tanto pelo seu modo de aparecimento quanto pelas perspectivas de evolução.
A definição de Kanner do autismo infantil precoce foi amplamente aceita pela comunidade médica, figurando até hoje nos manuais de psiquiatria como a síndrome de Kanner. Entretanto surgiram inúmeras discussões acerca da patogenia e da etiologia do autismo. A própria descrição de Kanner traz aspectos contraditórios.
Com o passar dos anos, a concepção de Kanner quanto ao distúrbio fundamental da síndrome vai variando enormemente. Kanner vai abandonando a concepção psicopatológica e concentra seus esforços numa visão puramente biologizante da síndrome. Essa mudança etiológica com tendência biologizante acaba por negligenciar o domínio da subjetividade e da intersubjetividade.
1.2 – As origens do conceito de autismo
Kanner utilizou o termo autismo já existente no meio psiquiátrico. Este sintoma foi descrito, em 1911, por Eugéne Bleuler para designar uma das características dos pacientes esquizofrênicos: a tendência patológica em se isolar do ambiente e do contato com as pessoas a sua volta. A evasão da realidade vem acompanhada pela predominância absoluta ou relativa da vida interior, ou seja, Bleuler descreveu o universo autístico criado pelo paciente esquizofrênico como algo experimentado e vivenciado como sua própria realidade objetiva.
É necessário traçarmos uma diferenciação entre o sintoma primário e o sintoma secundário de uma patologia, pois Kanner e Bleuler fizeram uso distinto do autismo e, em decorrência, disso as perspectivas de evolução e tratamento tomaram rumos quase opostos. De acordo com Kaufmann (1996), os sintomas primários são expressões diretas do processo patológicos, as causas que acometem o indivíduo à determinada patologia. Os sintomas secundários não passam de reações, modificações de funções psíquicas ou mesmo tentativas de adaptação da personalidade aos efeitos dos sintomas primários. Estes se apresentam, freqüentemente, como os sintomas mórbidos mais suscetíveis de influência pelo meio, as condições de vida e a atitude do clínico, o que constitui uma via de acesso para o que este autor denomina de “cura social”, ou seja, a reinserção do indivíduo no seu meio social.
Bleuler então colocou o pensamento autístico do esquizofrênico como um processo secundário da patologia, não estando tão diretamente envolvido com o processo mórbido da afecção, o que lhe proporcionou a possibilidade de atribuir sentido à fala do esquizofrênico, até então tida como ilógica e sem sentido. O pensamento autístico do esquizofrênico descrito por Bleuler é repleto de fantasias e não vazio como no autismo de Kanner. Esta forma de compreender e de tratar a doença foi uma verdadeira revolução no universo psiquiátrico, dando a estes pacientes um prognóstico, um futuro que não fosse tão deficitário e aprisionante. Foi justamente neste sintoma descrito por Bleuler, o pensamento autístico do esquizofrênico, que a comunicação entre os dois mundos podia ser feita.
Entretanto, a maneira como Kanner se apropriou e utilizou o termo autismo não corresponde inteiramente aos critérios descritos por Bleuler, no sentido de que não há um fechamento sobre si mesmo por parte da criança, mas uma espécie de contato particular e específico com o mundo exterior desde o início. Kanner coloca o autismo como a causa primitiva da patologia, o fator central que impede o ingresso da criança autista na realidade humana. Como visto acima, Kanner nomeia a nova síndrome com o nome do próprio sintoma patagnomônico, deixa de chamar ‘distúrbio inato do contato afetivo’ e passa a ser ‘autismo infantil precoce’. O autor insistia na especificidade clínica do autismo, mantendo com a esquizofrenia apenas um elo processual, já que um certo número de características correspondia. Segundo ele, o autismo comporta uma boa definição do quadro clínico do início, dos sintomas e da evolução que “difere tão marcada e distintamente de tudo o que foi descrito anteriormente”.(in Rocha 1997, p.111).
Tafuri (2003) realizou um trabalho de incursão sobre o conceito e o uso do termo autismo, onde aponta que este termo foi modificado por Bleuler do original “auto-erotismo” criado por Ellis e retomado por Freud quando descreve a sexualidade na vida infantil.
Em 1899, Ellis introduz o termo “auto-erotismo” para descrever os “fenômenos de emoção espontânea produzido na ausência de qualquer estímulo externo, quer direto ou indireto”.[13]
Freud utiliza o termo “auto-erotismo” pela primeira vez em seu texto “Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade” de 1905, essencialmente para definir a sexualidade infantil. Entretanto, Freud restringe a definição ampla de Ellis ao descrever o “auto-erotismo” pela relação da pulsão com seu objeto, Freud coloca que a “pulsão não está dirigida para outra pessoa; satisfaz-se no próprio corpo, é auto-erótica” (p.170). A diferença que Freud tenta mostrar é que para a psicanálise o essencial não é a gênese da excitação que levou à atividade auto-erótica, mas sua relação com o objeto.
Neste texto, Freud toma como modelo das manifestações sexuais infantis o ato de “chuchar”, melhor compreendido como um “sugar com deleite” (p.169). A criança experimenta as primeiras experiências prazerosas enquanto satisfaz uma de suas necessidades vitais, a alimentação. O autor explica que “A atividade sexual apóia-se primeiramente numa das funções que servem à preservação da vida, e só depois torna-se independente delas.” (p.171). A atividade auto-erótica busca relembrar uma sensação prazerosa já vivenciada, no caso do chuchar a criança utiliza uma parte do próprio corpo como a mucosa interna da boca, seus lábios ou seu dedão para sugar. Usar uma parte do próprio corpo torna a criança independente do mundo externo já que este foge ao seu domínio, coloca Freud.
Laplanche (1985) ao desenvolver o conceito freudiano sobre o “auto-erotismo” diz que a origem deste conceito estaria no momento em que a atividade se separa do objeto natural (o seio materno) e se vê entregue ao fantasma e, em decorrência disso, se cria como sexualidade. Freud, em sua psicanálise, alarga a natureza do que se compreende por sexualidade para algo além da função genital. O “auto-erotismo”, segundo Freud, seria uma das primeiras dentre as capacidades psíquicas absolutamente necessária ao desenvolvimento normal da criança.
Em 1914 no artigo: “Sobre o narcisismo: uma introdução” Freud vai, mais uma vez, mostrar a necessidade de se aprofundar mais sobre a gênese e a constituição do psiquismo. Sua preocupação em formular uma concepção acerca de um narcisismo primário e normal adveio da tentativa de se compreender como a teoria da libido responderia no caso da esquizofrenia ou da demência precoce, já que estes pacientes apresentam como uma das características fundamentais de sua patologia os desvios de interesse nas pessoas e no mundo externo. Freud se questiona sobre o que teria acontecido à libido destes pacientes uma vez que foi afastada dos objetos externos. Sua resposta então foi: “A libido afastada do mundo externo é dirigida para o ego e assim dá margem a uma atitude que pode ser denominada de narcisismo.” (p.82). No caso destes pacientes acima descritos que retiram sua catexia libidinal do mundo externo voltando-se para si mesmo, o narcisismo assume um caráter secundário, superposto ao primário. O narcisismo figura como uma fase necessária da evolução libidinal, situada entre o auto-erotismo e a escolha de um objeto sexual externo.
O que Freud apresenta neste texto de 1914 é uma extensão da sua teoria da libido, e ao relacionar narcisismo e auto-erotismo coloca que: “… uma unidade comparável ao ego não pode existir no indivíduo desde o começo; o ego tem de ser desenvolvido. Os instintos auto-eróticos, contudo, ali se encontram desde o início, sendo, portanto, necessário que algo seja adicionado ao auto-erotismo – uma nova ação psíquica – a fim de provocar o narcisismo.”(p.84). Essa idéia de transposição para chegar ao narcisismo é igualmente fundamental para a teoria lacaniana, como mostra Kaufmann (1996). Esse passo a mais constitui precisamente o da relação com o outro e com seu desejo.
Neste sentido, Hanns (1999) faz o resgate do termo Lust, em alemão, usado por Freud em algumas de suas fundamentais elaborações e, principalmente, em sua tentativa de descrever sobre estas experiências tão primitivas. Hanns coloca que o termo Lust apresenta duas vertentes de significado: “disposição para fazer algo” e “sensações corpóreas agradáveis”(p.58).
De acordo com Hanns (1996), Lust designaria “o que há de mais imediato e irredutível na sensação quando esta brota no corpo”(p.147), irredutível e impossível de ser descrita pela via do simbólico. Este autor chama a atenção para o fato de que a palavra Lust enfatiza a sensação prazerosa que brota no corpo, extraída da atividade auto-erótica espontânea e que sua finalidade é a atividade em si e não o objeto. O Lust se coloca como as primeiras experiências que levam do somático ao psíquico.
Hanns (1999) traz que o conceito de sexualidade em Freud parece não ter sido compreendido em toda sua totalidade por Jung e Bleuler, talvez estes autores não conseguiram perceber a distinção entre “o prazer das sensações que brotam do corpo”, o Lust, e o “prazer sexual dos adultos”. Bleuler repudia o termo auto-erotismo e decide pela retirada de “Eros” do conceito, utilizando apenas a palavra autismo no terreno patológico quando descreve uma das características da esquizofrenia, como vimos acima.
Ao utilizar a metáfora do “ovo de pássaro”, Freud (1911) estava se referindo a um princípio fundamental e primitivo de funcionamento psíquico que é a capacidade de satisfação autoerótica, autística. É essa capacidade fundante de preservar as sensações, sensações estas irrepresentáveis, que fundam e conduzem o funcionamento psíquico. Neste momento Freud insere o termo “autístico” no terreno da normalidade, pois através desta atividade o bebê dá continuidade às sensações prazerosas experimentadas. Neste momento ainda tão inaugural do seu psiquismo, para este bebê não há distinção entre ele e o outro, entre o que está dentro e fora.
Aos poucos, o bebê vai descobrindo que esta atividade autoerótica não vai aplacar suas necessidades primordiais, ele “quase” que concretiza um sistema psíquico fechado, ele precisa viver nesse “quase”, que é quando percebe que a ilusão não vai satisfazer suas necessidades reais, precisa do outro e, portanto, não pode viver de forma autoerótica pra sempre. Para Freud o estabelecimento deste princípio de funcionamento é básico e necessário para a formação egóica.
Winnicott (1958) faz uma aproximação da metáfora de Freud sobre o ovo de pássaro, quando fala da capacidade de se estar só na presença do outro. Para ele esta capacidade tem sua raízes nas primeiras relações do bebê com sua mãe, pois o bebê não existe sem os cuidados de sua mãe. Este bebê não cria uma concha impenetrável em torno de si mesmo, estendendo a metáfora do ovo, é como se este bebê de dentro desta casca conseguisse furá-la para ver o mundo, reagir a este mundo e continuar vivendo consigo mesmo, precisando do calor da mãe para que o “ovo” lhe proporcionasse tudo o que precisa. Esta noção de satisfação autística que Freud metaforizou vem ao encontro com a idéia de metáfora viva, onde o bebê cria um mundo interno ilusório, não por estar totalmente fechado em sua “casca”, mas por buscar perpetuar internamente as sensações prazerosas que experimentou no contato com o mundo externo, com os cuidados de sua mãe.
Com a atividade autoerótica o bebê preenche o seu corpo com sensações prazerosas, neste momento o bebê começa a criar a capacidade de ilusão, como coloca Winnicott (1975). Para este autor, esta é uma característica humana essencial à constituição do self, que possibilita a criação de uma área de ilusão onde o bebê exerce um controle mágico do mundo.
Nessas primeiras experiências da criança, onde o bebê está fundido com sua mãe, as realidades internas e externas se confundem. Winnicott (1975) coloca que estas primeiras experiências são experiências ilusórias que encaminham a criança em sua crescente habilidade em reconhecer e aceitar a realidade. Tustin (1981) reforça esta idéia dizendo que a capacidade de apreensão da realidade pela criança está diretamente relacionada com a sua capacidade de ilusão. Quanto mais a criança embarca na sua capacidade ilusória, mais facilmente se dá o reconhecimento e a aceitação da realidade, como veremos a seguir na exposição sobre pensamento de Winnicott.
1.3 – Concepções Psicanalíticas acerca do conceito de autismo e sua clínica
Melanie Klein foi a primeira a descrever o mundo arcaico do lactente, e a atender crianças em psicanálise. Klein não teorizou diretamente sobre as psicoses na infância, é a partir de sua prática clínica que extraímos grandes contribuições. Em seu trabalho clínico e teórico acerca do imaginário, Klein afirmou a existência de um “eu” precoce nos lactentes, de pulsão agressiva e da elaboração de mecanismos de defesa precoce.
Na criança, segundo Klein, existem mecanismos de clivagem e denegação muito parecidos com os mecanismos presentes na psicose adulta, o que a fazia considerar a criança como “psicótica” por seu próprio desenvolvimento. O que levaria com que a pessoa atravessasse a posição esquizoparanóide infantil normal e não adoeça, são justamente as gratificações provenientes do objeto bom externo. Ao invés disso, se os processos de clivagem e de desintegração são freqüentes e internos, se a dinâmica introjeção – projeção é perturbada e a intensidade das angústias persecutórias é demasiadamente forte, há o risco de se instaurar um quadro esquizofrênico no adulto, ou na própria criança que apresenta uma fragmentação do “eu”.
A clivagem do “eu” e dos objetos internos produzem um sentimento de que o “eu” está despedaçado. Se os temores de perseguição são muito fortes durante a posição esquizoparanóide, a posição depressiva não poderá ser suficientemente elaborada, a crença na capacidade do “eu” e na possibilidade de recuperar os objetos internos bons será abalada. Assim, para Klein, o ponto de fixação das psicoses se situa entre a posição esquizoparanóide e o início da posição depressiva. Quando, posteriormente, se refere ao autismo, Klein fala em termos de ausência do objeto interno, ou mesmo de um objeto interno muito particular.
Melanie Klein em 1930, antes mesmo da descoberta de Kanner, descreve o caso do “pequeno Dick”, um menino de quatro anos de idade com uma grande inibição no desenvolvimento do ego, apresentando-se quase que completamente ausente à adaptação a realidade e as relações afetivas com os outros e com o meio a sua volta. Fenomenologicamente, a descrição que Klein faz desta criança é muito semelhante ás crianças descritas por Kanner em 1943.
Klein coloca que a razão da inibição incomum do desenvolvimento de Dick era o fracasso das etapas primitivas, pois havia em seu ego uma incapacidade para tolerar a angústia, assim sendo, seu ego parecia que tinha cessado de desenvolver sua vida de fantasia e sua relação com a realidade. Nesta época, Klein acreditava que o que havia produzido a parada da atividade de formação de símbolo, era o temor ao castigo que receberia ao penetrar no corpo da mãe, onde suas próprias defesas contra seus impulsos destrutivos em si já resultavam como uma espécie de impedimento para seu desenvolvimento. Klein acrescenta que a defesa contra os impulsos sádicos tinham tido por conseqüência a cessação dos fantasmas e a parada da formação de símbolos.
Com o caso Dick, Klein desenvolveu a idéia de que a defesa prematura e excessiva do ego contra o sadismo impede o estabelecimento da relação com a realidade e o desenvolvimento da capacidade de fantasiar. A subseqüente apropriação e exploração sádica do corpo da mãe e do mundo exterior ficam detidas, o que produz uma suspensão mais ou menos completa da relação simbólica com as coisas e objetos que representam o corpo da mãe e, daí, do contato do sujeito com seu ambiente e com a realidade em geral. Este retraimento constitui a base da falta de afeto e de ansiedade.
Apesar disso, Klein coloca que a maior dificuldade na análise de Dick não foi sua incapacidade de expressar-se verbalmente, mas sim sua aparente impossibilidade de apresentar material passível de simbolização mesmo em suas brincadeiras, aparentemente sem sentido. Segundo Klein, o simbolismo, em Dick, não havia se desenvolvido, devido em grande parte à falta de relação e de afeto com as coisas e as pessoas a sua volta, as quais era completamente indiferente. A fantasia não ‘coloria’ a sua relação com os objetos, sendo impossível considerar seus comportamentos como sendo representações simbólicas. Este foi, então o maior obstáculo encontrado por Klein para estabelecer um contato com Dick, na análise.
Para tanto, Klein se justifica quando modifica sua técnica habitual de só interpretar os dados que já tenham sido expressados pelo paciente através de várias representações. Com Dick, já que sua capacidade de expressão por meio de representações quase não existia, Klein se sentiu obrigada a fazer interpretações à base do seu conhecimento geral, em outras palavras, Klein antecipou simbolicamente o pequeno Dick ao propor interpretações apressadas, trazendo material simbólico antes mesmo que a criança mostrasse o ‘caminho’.
Como toda interpretação em um trabalho analítico, foi uma aposta que Klein fez, e apesar da sua precocidade em tecer interpretações a uma criança ainda não inserida neste universo simbólico, Klein descreve os avanços no desenvolvimento psíquico, afetivo e simbólico de Dick. À medida que Klein, com sua técnica modificada, foi tendo acesso ao inconsciente de seu paciente e a angústia foi se atenuando, foram aparecendo de maneira gradual as atividades de jogo, as associações verbais e todas as demais formas de representação, junto com o desenvolvimento do ego que facilitou e conduziu o trabalho analítico. Mesmo estando frente a uma criança com recursos tão limitados, Klein investiu na relação analítica e na subjetividade que, mesmo de forma rudimentar, existia naquela criança. Esta talvez seja a grande diferença do pensamento que Kanner difundiu – o completo desinvestimento nessas crianças ‘tão gravemente comprometidas’.
Tafuri (2003) acredita que o forte desejo de curar o pequeno Dick, foi o grande propulsor para que Klein modificasse e adaptasse sua técnica e sua teoria, e os resultados satisfatórios do tratamento a levaram a acreditar que nenhum obstáculo seria grande o possível para deter a análise de crianças tão pequenas e com tão poucos recursos como o pequeno Dick.
Uma contribuição importante de Klein, no caso Dick, foi em relação ao diagnóstico. Pelo traço fundamental ser de uma inibição no desenvolvimento e não uma regressão, Klein, na década de 30, não se arrisca a tecer alguma conclusão, mas vê a necessidade de se ampliar os conceitos de esquizofrenia e psicose na infância, pois, de acordo com a autora, a tarefa fundamental do trabalho analítico é justamente descobrir e curar as psicoses infantis.
O curso da análise de Dick tinha o intuito de modificar a maneira como vinha transcorrendo o seu desenvolvimento. Mesmo a partir deste ego tão rudimentar, foi possível o estabelecimento de uma vinculação com o inconsciente, possibilitando trabalhar ao mesmo tempo o desenvolvimento do ego e da libido.
Tafuri (2003) cita uma importante consideração de Sayers (1991) sobre a experiência de maternalização de Klein com o pequeno Dick como meio de acesso ao seu inconsciente e como uma forma de estabelecer os vínculos transferenciais necessários para levar adiante a análise de Dick. Segundo Tafuri, quando Klein se apóia na própria experiência de maternalização de seus filhos para acessar e conduzir o tratamento psicanalítico de Dick, nos mostra que as relações primárias entre o bebê e sua mãe constituem a matéria-prima da vida psíquica e, acaba contradizendo a própria teoria freudiana sobre a impossibilidade de se tratar psicanaliticamente pacientes ensimesmados.
Tafuri ao analisar o caso Dick coloca que “… conferir sentido simbólico ao comportamento generalizado de uma criança autista passou a ser designado por Klein uma ação interpretativa e transformadora. E assim foi criado o modelo kleiniano de interpretação, que acabou por constituir um pilar de fundamental importância para o desenvolvimento da clínica psicanalítica com a criança autista.”(p.81). A contribuição kleiniana marcou o desenvolvimento do pensamento psicanalítico sobre o tratamento das crianças autistas levando à “articulações e desarticulações com o conceito de autismo” (p.89).
Margaret Mahler (1979), ao descrever as etapas do desenvolvimento infantil, traz o autismo para o campo da normalidade. A autora distingue duas fases dentro do estágio do narcisismo primário descrito por Freud em 1914. O primeiro momento seria de um narcisismo primário absoluto que Mahler denomina de “autismo normal”, já o segundo momento seria um estágio onde o narcisismo primário não seria mais tão absoluto, está conhecida como a fase simbiótica, dando início à percepção do objeto materno fundido com o bebê em uma unidade. O sucesso do processo de separação – individuação seria conseqüente desses dois momentos iniciais.
A fase do autismo normal, segundo Mahler, é correspondente às primeiras semanas de vida, onde o lactente se encontra em um estado de desorientação alucinatória primária. Como uma concha inatingível, que mantém distante os estímulos externos. O bebê neste momento é incapaz de localizar a fonte das sensações, diferenciar o que vem do outro e o que vem do seu próprio corpo. Há ausência da consciência do objeto materno, a mãe é um estado de completa indiferenciação com o bebê.
Pouco a pouco as experiências de expulsão, de saciação da fome, de redução da tensão, vão levando o bebê a diferenciar as qualidades boas e más das experiências, e essas experiências vão se fixando em traços mnésicos graças à faculdade perceptiva inata e autônoma de um eu primitivo.
É apenas a partir da décima semana de vida, de acordo com Mahler, que uma ruptura da barreira autística normal se inicia. Gradualmente se opera uma delimitação das representações de um eu corporal, a diferenciação estrutural que possibilita o nascimento do “eu”. Neste estado fusional o investimento libidinal reforça a barreira contra os estímulos, protegendo um “eu” ainda muito rudimentar.
Mahler fala de um “eu” que se constitui frente à realidade por um lado e às pulsões por outro. Um “eu” corporal que compreende dois tipos de representação de si: um núcleo interno de esquema corporal e um envelope externo de experiências sensório-perceptivas que contribuem para a delimitação do corpo próprio do mundo dos objetos.
Entre a década de 40 e 50, Mahler distingue duas formas distintas de psicose na infância. A psicose autística que seria uma regressão à fase autística normal, como uma atitude de evitação, de defesa muito arcaica, manifestada pela ausência do comportamento antecipatório, por exemplo. O bebê autista seria incapaz de utilizar as funções de um eu auxiliar na relação com o mundo. O outro funciona apenas como uma extensão de seu próprio corpo. Há uma luta contra todo tipo de contato humano, ao mesmo tempo em que constrói um mundo próprio, protegido por uma barreira em defesa contra os estímulos.
A outra manifestação da psicose na infância, Mahler chamou de psicose simbiótica. Aqui a representação psíquica da mãe existe, mas está fundida ao self. A fronteira “eu” – “não-eu” está mal delimitada, o corpo da criança simbiótica se funde no outro, ao passo que o corpo da criança autista permanece como um objeto sem vida. Os problemas vão se evidenciando no processo de separação, pois a angústia de separação tem efeitos terríveis sobre a criança simbiótica.
Em 1951, Mahler apresenta uma outra concepção, onde já não distingue mais tão nitidamente entre as psicoses na infância. Mahler passa a privilegiar a psicose infantil em termos de predominância entre uma ou outra organização psicótica de defesa, que varia dentro de um espectro entre as defesas autísticas e as defesas simbióticas.
As defesas autísticas, de acordo com Mahler, são uma resposta primitiva ao temor do contato humano. As defesas simbióticas aparecem mais como uma resposta de pânico à angústia de separação, uma grande desorganização com sintomas psicóticos.
Diante dos componentes de uma regressão ou fixação simbiótica, a criança adota uma posição que Mahler veio a chamar de autismo secundário. Aqui o autismo entra no terreno patológico .
Portanto, a teoria a respeito das psicoses infantis para Mahler, é em consequência de uma deficiência ou de uma falência na utilização intrapsíquica pela criança do outro materno durante a fase simbiótica e sua incapacidade subseqüente de internalizar a representação do objeto materno. Seria uma individuação malfeita ou mesmo ausente que está no cerne das psicoses infantis. Mahler fala das mães esquizofrenizantes no sentido de fornecerem um ambiente de não disponibilidade emocional, ao mesmo tempo em que evoca a idéia de uma hipersensibilidade por parte das crianças psicóticas.
Os autores pós-kleinianos como Francês Tustin, Donald Meltzer e Winnicott vão trabalhar com a idéia de que a mãe antes de estabelecer uma relação de objeto com seu bebê, funciona como continente psíquico, como que metabolizando as primeiras sensações do bebê. O que vai ajudar a compreender o autismo, este paradigma do aparelho psíquico.
O autismo é considerado por autores dentro da psicanálise, como Frances Tustin (1972), como a única saída que alguns bebês recorrem em um momento extremamente precoce de suas vidas, onde seu aparelho psiquismo estava num momento tão inicial que não lhe proporcionava recursos para enfrentar as frustrações, talvez pela ausência da internalização de sensações prazerosas suficientes, impedindo assim o desenvolvimento normal do aparelho psíquico. O autismo surge, então, como uma defesa ante este encontro prematuro e traumático com o mundo externo em momento tão primitivo do seu desenvolvimento psíquico que leva a criança a um profundo retraimento, mais arcaico que as psicoses.
Frances Tustin foi, sem dúvida, uma grande estudiosa do autismo e da psicose infantil e, assim como Mahler, fala de um autismo da primeira infância como um estágio normal e provisório do desenvolvimento. Em vez do conceito freudiano de narcisismo primário, Tustin prefere falar de autismo primário, período onde os processos mais arcaicos servem para proteger o bebê de um encontro primário brutal com a realidade. É sob esta perspectiva que Tustin tenta explicar o autismo infantil precoce, como uma fixação em um estágio primitivo do desenvolvimento.
Tustin (1972) diz que é o estado de auto-sensualidade, próprio do estado de autismo normal, combinado com a capacidade da mãe de proteger seu bebê de experiências traumáticas do encontro prematuro com o não-eu, é que permite ao bebê experenciar a vivência de uma continuidade de ser com a mãe. Quando isso ocorre, o bebê pode evocar uma lembrança sensorial da mãe mesmo quando ela está ausente. Segundo a autora, é a percepção de fragmentos dessa realidade pelos órgãos dos sentidos, juntamente com as sensações oriundas do contato físico e afetivo com a mãe é que constituem, os objetos sensações necessários e fundamentais para a formação dos processos psíquicos.
Na ausência dos cuidados maternos necessários, os processos autísticos normais tendem a se manter e a se hipertrofiar. Tustin coloca o autismo patológico como um tipo muito primitivo de defesa contra uma depressão do tipo psicótica que impede o desenvolvimento afetivo e intelectual normal da criança.
A partir de seu rico material clínico, Tustin nos descreve o que chamou de depressão psicótica, termo este emprestado de Winnicott, que Mahler descreve como “o desgosto e o luto”. Para melhor descrever este conceito, Tustin emprega termos oriundos da própria clínica, Tustin fala sobre o “botão partido” como sendo a perda da sensação de continuidade corporal, da continuidade de ser. O botão como a experiência de continuidade na interação boca-mamilo que o bebê vivencia com sua mãe, ainda sem noção de que são dois corpos separados, para o bebê são um só, e a perda desta sensação de continuidade é experenciada como perda de parte de si mesmo, o que gera a angústia do tipo psicótica.
Tustin diz que “a falta de discriminação do bebê de tenra idade e a capacidade de adaptação da mãe, que resulta de sua identificação empática com ele sob forma de reverie (Bion, 1961), completam-se, reduzindo a brecha existente entre as ilusões primitivas da criança e da realidade. Essa reciprocidade empática fomenta a ilusão de continuidade corporal e gradualmente aclimata a mãe e o bebê à idéia, ainda nebulosa, de que estão separados um do outro; e também dá à mãe a possibilidade de apoiar o filho durante a tempestade emocional que acompanha a sua descoberta de seu estado de indivíduo com corporalidade própria, que é vivenciada como perda de uma parte deste.”(1972, p.37).
Quando alguma coisa não funciona bem neste processo, como por exemplo uma mãe com áreas de insegurança não formulada, que lhe ficaram de sua própria infância, o bebê para fugir da angústia psicótica que o rodeia nestas circunstâncias, se fixa ou regride para um estado de autismo patológico. Tustin admite que fatores constitucionais como os déficits sensoriais e a carência da continuidade da relação mãe-bebê exercem papel fundamental sobre o desenvolvimento do autismo patológico.
Tustin (1972) traz a noção de objetos autísticos como um tipo de defesa que tem o intuito de preencher o “buraco preto” deixado pelo “botão partido”, e então atenuar a angústia da falta de continuidade corporal. De acordo com Tustin, os processos autísticos centrados sobre o corpo são como que para tornar a dar uma certa ilusão de continuidade, o autismo patológico surge como uma tentativa de escapar do “buraco preto” vivenciado na experiência prematura do “não-eu”. Essa vivência de um “buraco preto”, uma sensação de um cair sem fim descrita, restringe os canais empáticos de interação e comunicação com outras pessoas, levando a uma “falência dos processos psicológicos em curso e, conseqüentemente, o desinvestimento emocional da mãe e a perda de interesse por ela, havendo uma proliferação acelerada de processos patológicos centrados no próprio corpo.” (1972, p.38).
Para Tustin, a vivência do “botão” caracteriza os estados psicológicos mais primitivos, o ela que une mãe e seu bebê, com a análise do caso John, Tustin sugere que a quebra dessa ligação primária tão essencial ao desenvolvimento do bebê, confronta um sentimento de “profundo e catastrófico desgosto” (1972, p.39) que nomeou de “buraco preto” (que veremos mais detalhadamente no próximo capítulo).
Tustin além de descrever uma primeira etapa do desenvolvimento chamada de autismo primário normal, também distingue diferentes sistemas de autismo patológico. Este estado de autismo primário normal acontece nos primeiros dias de vida e é preenchido por sensações. Aqui o modo como o bebê experimenta o próprio corpo condicionará sua vivência da mãe, seu primeiro representante do mundo externo, o que vai estar intimamente relacionado com a capacidade da mãe m conter no seu próprio corpo as erupções de seu bebê, já que aqui ainda não há diferenciação entre o eu e o não-eu.
Segundo Tustin é a depressão psicótica o fator precipitante comum aos sistemas de autismo patológico. Esta depressão psicótica consiste em um tipo muito particular de depressão que se caracteriza pelas vivencias de “buraco”, que são associadas a sentimentos de terror, de incapacidade de se bastar a si mesmo. O autismo primário anormal seria uma prolongação do autismo primitivo normal, ocasionada pela ausência quase total ou mesmo parcial do que é básico para que a criança se desenvolva de forma equilibrada, devido à grave deficiência da figura materna ou de impedimentos intrínsecos a criança.
Tustin denomina de “crustáceas” as crianças que se enquadram no que descreveu como autismo secundário encapsulado. Aqui o autismo figura como uma forma de defesa contra o sentimento de pânico associado à percepção intolerável de que mãe e bebê são seres separados corporalmente, ou seja, provocada por uma separação corporal insuportável. Tustin coloca que este estado de autismo se associa a uma parada no desenvolvimento mental da criança.
E, por último, Tustin descreve o autismo secundário regressivo, onde acriança parecia seguir seu desenvolvimento psicológico, embora sobre base bem precária de acordo com o relato do desenvolvimento feito pelos próprios pais, percebendo que em grande parte a personalidade da criança já trazia traços autísticos. Os pais parecem só perceber quando a impossibilidade de seguir com o desenvolvimento se torna algo muito evidente e a criança começa a demonstrar nítidas regressões em seu comportamento. Mesmo que funcionando de modo autístico, as crianças que aqui se enquadram preservam um mundo de fantasias.
Cavalcanti & Rocha (2001) fizeram uma longa análise da obra de Tustin e da sua contribuição sobre o autismo na psicanálise, pois foi a autora que mais se dedicou e mais produziu sobre este tema. De acordo com Rocha, a obra de Tustin ilustra os limites das metáforas utilizadas para descrever o autismo e mostra como estas metáforas podem atrapalhar e até mesmo distorcer a apreensão destes estados psíquicos. Acredito que essas metáforas acabam por dizer muito mais sobre o sentimento contratransferencial em relação a estas crianças, ou seja, da impossibilidade de se colocar no lugar delas ou mesmo de estar com elas, do que das crianças autistas elas mesmas.
Tustin acredita que as crianças autistas experimentam o que ela descreveu como ‘depressão primitiva’, que é resultante de experiências de separação primitiva e que são vivenciadas como perda de partes do corpo, geralmente associadas a sensações de um cair sem fim, como se nada provesse uma contenção. Winnicott chama de ‘depressão psicótica’ este tipo de experiência, diferenciando da depressão reativa que é uma forma consciente de reagir a uma perda. A depressão psicótica ou primitiva seria um acontecimento onde a parada do desenvolvimento emocional destas crianças se daria.
Tustin (1972) descreve o caso John, e nele se baseia muitas vezes em seu percurso teórico e clínico pela riqueza do material apresentado, onde tenta ilustrar esse momento crítico de parada no desenvolvimento emocional dessas crianças. Tustin ressalta que a tentativa de transcrever a experiência clínica em palavras, por mais vívida que seja, fica sempre aquém da própria experiência de inter-relação que ocorre na sessão analítica.
John chegou para atendimento com apenas 3 anos e 7 meses de idade, já tendo passado por vários outros profissionais, recebendo diagnósticos de atraso mental e autismo infantil precoce. John não falava, apresentava uma espécie de relutância em seguir com seu desenvolvimento, apresentava comportamentos bizarros e estereotipados, tinha momentos de ansiedade excessiva, brincava de maneira muito estranha e tinha um histórico familiar de parentes excêntricos, psicóticos e esquizofrênicos.
Mas o que chamou a atenção de Tustin de imediato foi sua aparente capacidade de estabelecer contato, ainda muito primitivo. Esta característica despertou em Tustin algo de maternal, assim como vimos em Klein com o pequeno Dick. Foi por este sentimento contransferencial que Tustin acreditou que valeria a pena tentar investir.
No começo do tratamento Tustin tinha a impressão de que John não apresentava praticamente nenhuma forma de expressão, era como se a analista não existisse, apenas quando usava a mão dela para fazer girar o pião. John parecia que usava os brinquedos ou a própria Tustin como um prolongamento de seu próprio corpo. Quando via o pião girar, John quase que girava junto com o pião, manuseando seu pênis e sua língua no mesmo movimento circular que o pião, Tustin descreveu que parecia uma diferença muito tênue que se estabelecia entre os movimentos do pião e do próprio corpo. John chegava a ter ataques de raiva quando percebia que os objetos e Tustin não eram parte de seu corpo, usando palavras como “embora, partido, oh vida”. Tustin coloca que pareciam que realidades deprimentes pareciam estar penetrando em seu isolamento. Aos poucos vai sendo capaz de expressar suas ansiedades relacionadas com o mundo real, admite sua dependência dos outros, ou seja, sua incapacidade de bastar-se a si mesmo.
Tustin passou a limitar as interpretações que fazia, pois as palavras pareciam serem sentidas por John ora como algo que o seduzia, ora como algo que o ameaçava. Tustin então percebe que precisava estar mais disponível para John do que apenas pela via do simbólico em suas tentativas de se aproximar pelas interpretações.
Ao discutir o material clínico do caso John, Tustin coloca que para melhor compreender as experiências afetivas cruciais por que passam as crianças antes de conseguirem se expressar através da fala organizada em pensamento, é necessário que prestemos atenção para as descrições das próprias crianças sobre estes estados afetivos vivenciados por elas. Nas primeiras palavras faladas por John – ‘partido’, ‘embora’ e ‘oh vida’ – John parece exprimir toda a sua angústia da situação que o fizera sentir profundo desgosto, como descreveu Tustin.
Meltzer (1975) foi o supervisor de vários analistas que trabalharam com crianças autistas, entre os quais se encontra Tustin e o caso John. Foi através dessas supervisões que Meltzer desenvolveu suas idéias sobre o autismo. Este autor distingue dois tipos de estados autísticos: o autismo propriamente dito e o estado pós-autístico.
O primeiro desses estados, o autismo é, segundo Meltzer, é um estado de suspensão da vida mental que se dá pela não utilização da atenção. Segundo o autor, a forma como a criança autista realiza essa suspensão da vida mental é através do mecanismo típico do autismo, o desmantelamento. Este é um importante conceito para a nossa compreensão acerca dos estados defensivos das crianças autistas e suas conseqüências.
Para Meltzer, o que acontece no desmantelamento, é que o ego e o objeto são fragmentados em suas qualidades sensoriais e que o uso constante e repetitivo desse mecanismo acaba privando a criança de experiências maturativas que encaminhem o seu desenvolvimento psíquico. A criança autista fica presa nessa forma de agir “desmantelada”, onde o ego reduzido às qualidades sensoriais vageia sem possibilidade de apreender o objeto em seu aspecto geral. Este mecanismo de desmantelamento impede a constituição dos espaços internos dos objetos e do próprio self da criança, o que compromete os processos psíquicos de introjeção e de projeção.
De acordo com as palavras de Meltzer, o desmantelamento é uma forma particular de clivagem do ego:
“O desmantelamento do ego no autismo se produz segundo um procedimento passivo que consiste em deixar os vários sentidos, especiais e gerais, internos e externos, ligarem-se ao objeto mais estimulante do instante. Seria pura coincidência se as sensações desse instante, as mais coloridas ou as formas mais cativantes, ou as mais aromáticas, as mais ruidosas, as mais saborosas, as mais doces, as mais quentes, emanassem todas do mesmo objeto externo.” (1975, p.94)
Essa suspensão da vida mental, através do mecanismo de desmantelamento acarreta, segundo Meltzer numa descontinuidade dos acontecimentos vivenciados pela criança. O ego, como aparelho mental, ao sofrer o desmantelamento traz para a criança uma sensação de cair, de se desmanchar em pedaços, já que a atenção, segundo o autor, funciona como uma espécie de fio que possibilita a apreensão do objeto em sua totalidade, está suspensa. Ou seja, as experiências reduzem-se a meros acontecimentos, que presos a qualidades sensoriais isoladas não são transformados em experiências de continuidade e permanência.
Os estados pós-autísticos, descritos por Meltzer, são uma espécie de seqüela dos episódios autísticos, podendo ser mais ou menos grave conforme a freqüência do uso do desmantelamento. O autor aponta como marcas deste estado pós-autístico as manifestações de linguagem desprovidas de sentido, os comportamentos estereotipados e de caráter obsessivo e, em especial, por um tipo especial de identificação que denominou de identificação adesiva.
Para descrever o que compreende por identificação adesiva, Meltzer (1974) traz a contribuição de Esther Bick (1968) acerca da importância da função continente da maternagem que se desenvolve ao longo das experiências da amamentação, através da contenção do bico do seio da mãe pela boca do bebê, incluindo nesta experiência o calor da pele da mãe que contém o corpo do bebê, junto aos odores e à voz da mãe. Somente quando esta função continente é experimentada pelo bebê, que este vai ser capaz de introjetar o objeto continente vivido, possibilitando a aquisição da noção dos espaços internos e externos. A ausência da construção dessa dimensão interna dos objetos e do seu próprio self aprisiona a criança num tipo de relação fusional com o objeto, criando uma fantasia de adesão onde a separação torna-se intolerável, pois é vivenciada como perda de uma parte de si mesmo. Isto é o que Meltzer descreve como identificação adesiva.
Portanto, Meltzer (1975) trabalha com a idéia de que no autismo propriamente dito houve uma falha da função contensora e o ego se desmantelou. E suas palavras:
“A alteração severa do contato com a mãe precipita a criança em angústias depressivas graves, justo no momento em que se vê privada do suporte de uma imagem receptiva, capaz de sustentar a torrencial dor psíquica e modificar seu impacto. Sua resposta a essa retirada é drástica; ela está em relação com uma predisposição obsessional marcada, quer dizer, uma tendência a lidar com a angústia através dos fantasmas de controle de seus objetos. Eles empregam um tipo especial de processos de clivagem, segundo o qual desmantelam seu ego em suas capacidades perceptuais separadas: visão, tato, audição, etc., e ao mesmo tempo, partindo de um objeto de tipo “senso comum” (Bion), reduzindo-o a uma multiplicidade de acontecimentos unisensoriais em que animado e inanimado tornam-se indistinguíveis.” (p.98)
Ao se referir às contribuições de Meltzer, Cavalcanti & Rocha (2001) colocam que: “Distinguir o autismo propriamente dito dos estados pós-autísticos parece ter sido a tentativa de Meltzer ante a contradição entre as metáforas – como a do “ovo” e a da “fortaleza vazia”, que induzem a pensar o autismo como um estado de fechamento e ausência de relações objetais – e a sua clínica, que o fez construir um mundo povoado e rico de relações muito particulares com os objetos internos e externos.” (p.86)
Torna-se imprescindível compreendermos a descrição de Bion sobre o conceito de “continência”, uma importante contribuição para a clínica psicanalítica, já que influenciou o pensamento de vários autores que lidam com a questão do autismo. Em 1970, Bion descreve o que chamou de ‘as sete virtudes do analista’, como uma forma de ampliação do papel do analista onde discute e repensa a própria função da interpretação, que é tida como o pilar da técnica psicanalítica. Cada uma dessas virtudes leva à outra, são elas: paciência, segurança, continência, revèrie, pensamento, transformação e nomeação.
Para poder alcançar a função continente, Bion ressalta a importância da capacidade de espera do analista. Esperar pelo que o material clínico vai revelar exige que o analista consiga se desprender do seu próprio saber, enfrentando, inclusive, a frustração do não saber. O analista se entrega ao non-sense e deixa brotar as sensações e o conhecimento que advém da experiência do paciente e dele próprio dentro do setting analítico.
Ser continente para Bion é ser capaz de conter as angústias do paciente sem interpretar, para poder permitir o desenvolvimento de um enquadramento clínico de se ajustar aos moldes do paciente. Para Bion, essa capacidade do analista em se ajustar às necessidades do paciente, foi pensando como um trabalho de gestação do próprio trabalho analítico. O analista, sendo capaz de se ajustar às necessidades do paciente, cria condições para que transformações psíquicas aconteçam no decorrer do processo analítico. Tafuri (2203) descreve essa função continente exercido pelo analista como “acolhedora, receptiva, ativa e transformadora” (p.175).
Dentro da corrente psicanalítica, Winnicott ocupa um lugar original pela sua interface entre a pediatria e a psicanálise, pelas suas concepções, suas terminologias e pela sua obra como um todo, que marcou e influenciou o pensamento psicanalítico.
Winnicott, assim como Klein, não chegou a elaborar uma teoria acerca da psicose infantil, apenas expôs suas idéias produto de suas concepções sobre o cuidado materno, talvez o tema central de seus escritos. Segundo Cavalcanti & Rocha (2001), Winnicott foi um dos poucos autores que se colocou contra a invenção de Kanner sobre o autismo infantil precoce. Para Winnicott a síndrome de Kanner não trouxe uma contribuição significativa nem ao estudo e nem ao tratamento das crianças que passam por imenso sofrimento psíquico no início de suas vidas. O grande diferencial em Winnicott foi pensar nas várias formas de expressão do sofrimento psíquico em crianças muito pequenas, sem obrigatoriamente pensar em déficit ou transformar essa manifestação de sofrimento em uma entidade psicopatológica, o que abre as portas para se pensar no autismo de forma mais ampla, possibilitando novas reflexões. Winnicott chega a dizer que o autismo não existe, quando se refere à descrição de Kanner que aprisionou as crianças ditas ‘autistas’ em um único e terrível destino.
Para Winnicott, o autismo não figura como uma doença, mas como um problema do próprio processo de desenvolvimento humano, na constituição do psiquismo. O pensamento de Winnicott nos oferece uma forma diferente de conceber a existência humana e os modos de estar no mundo. O autor se centra nas relações criativas que o sujeito estabelece com o mundo, relações estas que são possibilitadas pela maternagem, ou seja, para Winnicott é a mãe que torna possível a experiência da existência desde os primeiros encontros onde se identifica com seu bebê e se adapta à suas necessidades. A mãe é essencial para a compreensão da teoria do desenvolvimento emocional e psíquico de Winnicott, pois ela é o primeiro e essencial ambiente aonde o bebê vai se constituir como sujeito.
Dentro da perspectiva winnicottiana (1956), a etiologia das psicoses se situa na estrutura indivíduo-ambiente, mais precisamente, nos defeitos da estrutura unitária mãe-bebê, onde o bebê depende completamente dos cuidados do ambiente. Winnicott coloca que são em conseqüências das desarmonias dos cuidados maternos que as defesas precoces se desenvolvem. A carência de cuidados maternos ou a falta de adaptação da mãe às necessidades do bebê provocam reações que interrompem o desenvolvimento psíquico e emocional do bebê. O excesso dessas reações por parte do bebê chega a ameaçar o sentimento de continuar a existir, na forma de uma ameaça de aniquilação, que é a mais primitiva das angústias que podem acometer o homem, uma angústia impensável que age como um perigo contra sua própria existência.
Como dito anteriormente, Winnicott reforça a idéia original de Freud, de que o bebê não existe sem os cuidados de sua mãe. Para que o bebê possa evoluir de maneira favorável de um primeiro momento de completa dependência sobre o outro para sua independência, certas condições se tornam necessárias. É preciso um ambiente “suficientemente bom” que inclua a adaptação da mãe às necessidades de seu bebê. A mãe, através de seus cuidados, vai estabelecendo condições para que seu bebê se desenvolva. Winnicott denomina de “preocupação materna primária” (1956) o estado de hipersensibilidade que permite à mãe se adaptar às primeiras necessidades de seu bebê. Somente se a mãe ingressar nesse estado de intensa identificação com seu bebê, através das suas lembranças inconscientes, é que o bebê vai conseguir estabelecer um sentimento de self e de continuidade de ser.
Quando a mãe não atravessa este estado de preocupação materna primária, ela torna-se incapaz de estabelecer uma empatia com seu bebê e, portanto, não poderá oferecer-se como uma espécie de suporte egóico. É como se o bebê fosse deixado por conta própria, sem nada que o amparasse, como se estivesse caindo. Essa ‘queda’ seria o oposto do que Winnicott propõe como “holding” (1955). Esse conceito envolve todas as particularidades do cuidado materno que antecedem a advêm depois do nascimento de bebê, proporcionando um ambiente compatível com suas necessidades neste momento de completa dependência. O ambiente vai amparando as necessidades do bebê ao mesmo tempo em que vai se tornando confiável pela empatia da mãe. O holding passa a proteger o bebê frente todo tipo de agressão, seja interna como as necessidades e as reações fisiológicas ou pelos estímulos vindos do meio externo.
As conseqüências de um suporte egóico deficiente por parte da mãe, segundo Winnicott, podem ser mutiladoras. O autismo figura como uma das conseqüências possíveis, pois surge como uma proteção contra as ansiedades mais primitivas. O termo ansiedade, segundo o autor, não é o mais apropriado, ele traz a expressão “agonia primitiva” (1963) para descrever a sensação de um cair pra sempre. A perda da capacidade de relacionamento com as pessoas e os objetos seria uma defesa contra os estados autísticos relacionados a fenômenos do self. Para Winnicott, tudo o que interrompe o sentimento de continuidade de ser do bebê pode ser chamado por intrusão.
A identificação e a adaptação da mãe às necessidades de seu bebê, o torna capaz de experenciar vivências de onipotência, através da crença do bebê reforçada pela atitude materna de que possui um “controle mágico” sobre o mundo. Este sentimento de onipotência é o ponto de partida para a criação da “área de ilusão”, ilusão de que existe uma realidade externa que corresponde à capacidade do bebê de criar É a partir de então que o bebê começa a constituir um self, um sentimento de continuar a existir. Esta é a primeira tarefa do que Winnicott chamou de “mãe suficientemente boa”.
Quando Winnicott publicou em 1951 seu artigo “Objeto transicionais e fenômenos transicionais”, não havia na literatura psicanalítica material referente ao hiato existente entre as realidades internas e externas. O percurso feito por Freud (1911) de uma seqüência do desenvolvimento que transformasse o princípio do prazer em princípio da realidade ofereceu uma enorme contribuição para a compreensão da transição que o bebê tem que transpor, mas Freud não se ateve ao processo transicional em si. Winnicott buscou, através dos fenômenos transicionais, compreender essa dimensão da experiência da criança que não depende nem da realidade interna, nem da realidade externa. É justamente esta área intermediária que é oferecida ao bebê que se localiza entre a criatividade primária e a percepção objetiva fundada no teste da realidade, onde o bebê passa de um primeiro momento de onipotência mágica de controle sobre o mundo até o momento de enfrentar a realidade externa.
Essa passagem, tão importante na obra de Winnicott, só é possível pelo que este autor chamou de “área de ilusão”, esta zona intermediária de experiência entre as realidades internas e externas, que leva o bebê a aceitar a realidade externa e a suportar a separação da mãe. Correspondem às primeiras experiências de possessão do bebê que ainda não são totalmente reconhecidas como algo externo a ele. Esta área de experimentação intermediária entre o chupar o polegar, que é uma forma alucinatória de satisfação, e a escolha de um objeto especial, é a primeira experiência com um objeto não-eu. Isto acontece quando a criança consegue projetar algo que foi introjetado, mas que ainda não é percebido como pertencente à realidade externa. Estas experiências são de vital importância para o desenvolvimento psíquico da criança, pois constituem uma forma de defesa contra a ansiedade, é apenas a partir desta experiência inicial de onipotência que a criança torna-se capaz de poder experimentar a frustração. A desilusão é a segunda função da mãe suficientemente boa, mas que só pode ser alcançada se a ilusão da onipotência, de ser criador do mundo foi bem estabelecida.
Um importante conceito trazido por Winnicott (1951) é o de “criatividade primária” que se apresenta como um impulso inato em direção à saúde. As raízes da criatividade situam-se nos primórdios da vida e no centro da relação mãe-bebê, pois vincula a capacidade demonstrada pela mãe de oferecer uma resposta ao gesto espontâneo do bebê e a necessidade de ilusão que conduz o bebê ao sentimento de onipotência. Esta criatividade primária ocorre quando o bebê sente que criou aquilo que lhe é oferecido e que ele necessita, assim o bebê adquire a esperança de que existe uma relação viva entre realidade interna e externa. Nas palavras de Winnicott, o recém-nascido torna-se o criador do mundo quando:
“A mãe apresenta o seio real apenas quando o bebê está preparado para criar e no momento adequado” (p.238)
Em seu último livro publicado “O brincar e a realidade” (1971), Winnicott desenvolve e renova algumas de suas principais idéias. Ao abordar a importância do brincar, descreve o espaço potencial que emerge nesta atividade, nessa via de acesso às crianças. Fala de modo especial sobre a criatividade
humana como importante quesito ao se falar em saúde mental. Mesmo na mais grave patologia psíquica o sujeito está presente de alguma forma em sua criatividade. O sofrimento psíquico, para Winnicott, está relacionado com a perda dessa capacidade criativa, que na criança pequena é percebida pela redução da sua capacidade de brincar enquanto ação transformadora do meio ambiente, lançando o indivíduo em experiências de interrupção da existência. Isso leva a criança a construir os mais variados arranjos psíquicos para conseguir sobreviver à angústia impensável, conceito desenvolvido por Winnicott para descrever as experiências de perda de sentimento de existir.
O que Winnicott quer dizer, é que o estabelecimento do eu repousa sobre um sentimento contínuo, suficiente e ininterrupto de existir. Assim, a primeira organização do “eu” se dá quando o perigo da aniquilação é superado e o bebê vai então aos poucos sendo capaz de descobrir o mundo ao seu redor e de enfrentar a frustração. Portanto, para Winnicott, o desenvolvimento do bebê está intimamente relacionado com a introjeção dos cuidados maternos.
Winnicott se diferencia de outros autores em psicanálise, quando diz que não é a satisfação pulsional que permite ao bebê de começar a existir, mais é tão somente a preocupação materna primária, a instauração de um bom espaço potencial. Winnicott ressalta em toda a sua obra o papel do ambiente suficientemente bom, adaptado às necessidades do bebê. A saúde mental depende dos cuidados maternos, a desintegração é conseqüência da falha dessa integração primária.
Em artigo de 1967, Winnicott vê o autismo como uma forma de organização defensiva altamente sofisticada que visa proteger a criança contra o retorno da angústia impensável e do perigo de aniquilação ligado a esta angústia tão primitiva. O autismo figura como a única saída para a criança permanecer viva frente à tão terríveis ameaças em um momento tão precoce do seu desenvolvimento.
De inspiração lacaniana, Rosine e Robert Lefort escreveram em 1980 o livro “Nascimento do outro”[14], onde descrevem duas análises infantis abordando a questão do autismo e da psicose infantil. O autismo remete os autores a algo que ainda não se estruturou, que tem como causa principal a ausência do Outro. Em termos lacanianos não há “A” nem “a”. “A” pela ausência do real e “a” pela ausência do Outro. De acordo com os autores, nesta patologia é impossível a mutação da realidade para o significante, pois o significante é foracluído. A realidade se forma sobre ela mesma, não há a substituição metafórica, o imaginário não acontece.
A ausência do Outro, do significante mestre nos remete ao recalcamento originário, às primeiras formações inconscientes. Os Lefort citam Lacan quando este diz que o sujeito se constitui pelo recalcamento originário. A noção de recalcamento se articula ao tema da metáfora, da linguagem e do significante, que representa o sujeito por um outro significante. No autismo alguma coisa nesse processo se perde e este caminho ao significante não acontece. Não há a separação precisa entre a realidade e o significante.
Para os Lefort, o objeto não é substituído pela metáfora, a relação com os objetos reais é recusada, pois se o objeto não foi devidamente inscrito pelo outro não exerce efeito de significado, o que evidência o prejuízo pela ausência do outro.
Na tentativa de articular a teoria e a clínica, os Lefort questionam a questão do nascimento do sujeito, e nos mostram que no corpo do Outro está o início da formação do sujeito, da fase especular como objeto de contemplação. No corpo do Outro está o significante para que o sujeito venha a se estruturar. O trabalho analítico gira em torno de uma possível articulação entre o real e o significante. O outro é imprescindível na formação destes dois registros: do real e do significante.
De acordo com os Lefort, o autismo se mostra como o paradigma do psiquismo humano por ser a-estrutural. Para estes autores o nascimento do sujeito não concorda com o aspecto cronológico, mas sim quando as coisas e os objetos começam a significar. Segundo os autores, dentro do setting analítico, o analista vem ocupar o papel do grande Outro.
Marie-Christine Laznik-Penot (1997), assim como o casal Lefort, encontrou suas referências na teria de Lacan. Para esta autora a clínica do autismo está ligada aos primeiros fracassos do aparelho psíquico, tempo inaugural ainda pouco abordado em psicanálise. Suas maiores contribuições vieram da sua experiência clínica no tratamento de crianças autistas. Sua abordagem clínica se funda na certeza de que, contrariamente às idéias de Kanner, a linguagem da criança autista não é desprovida de significação e que é preciso aprender pacientemente a decifrá-la para poder entendê-la. A clínica do autismo, segundo Laznik-Penot, interroga as próprias condições de subjetivação.
Para esta autora, as instituições que cuidavam das crianças autistas, mesmo as instituições apoiadas na teoria psicanalítica, acabaram ficando presas às conclusões de Kanner sobre a total falta de sentido de caráter comunicativo na fala ou mesmo nas produções sonoras destas crianças. Para Laznik-Penot enxergar a fala das crianças autistas apenas em seu caráter ecolálico, as desqualifica por completo enquanto sujeitos.
De acordo com as palavras da autora: “O trabalho com uma criança autista se faz ao avesso da cura analítica clássica: o objetivo do analista não é interpretar os fantasmas de um sujeito do inconsciente já constituído, mas permitir o advento do sujeito. Faz-se aqui intérprete, no sentido de tradutor de língua estrangeira, ao mesmo tempo em relação à criança e aos pais.” (Laznik-Penot, 1997:11)
Laznik-Penot coloca que a sua experiência clínica com as crianças autistas a ensinou que é necessária uma escuta analítica de suas produções sonoras, sejam as repetições que Kanner cristalizou sob a denominação de ecolalia, sejam os tocos de palavras ou mesmo a toda e qualquer massa sonora produzida pela criança, por mais insignificantes que possam parecer. Para Laznik-Penot pouco importa, no início do tratamento, se estas manifestações sonoras tem o intuito de uma comunicação ou mesmo se há uma intersubjetividade.
Esta escuta analítica permite a emergência de uma fala que a criança autista pode a posteriori reconhecer como sua, pois quando o analista aposta que na produção não só sonora mas também gestual desta criança existe um valor significante e, ao constituir a si mesmo como lugar de endereçamento desta mensagem, a criança se reconhece como fonte dessa mensagem. Laznik-Penot diz que cabe ao analista mostrar à criança autista que mesmo que os seus sinais sejam difíceis de decifrar, podem constituir uma mensagem para o destinatário, no caso o próprio analista.
Para Laznik-Penot esse lugar que o analista assume, é o lugar do Outro primordial, como foi também enfatizado acima pelos Lefort. É o lugar que a mãe ocupa ao crer que há mensagens nas produções sonoras de seu bebê, uma mensagem que lhe é dirigida e que ela opera cortes que precipitam uma significação e que ela pode, então, restituir ao seu bebê. A autora diz que “o sujeito se funda em uma experiência de corte.”(1997:41)
Esta autora defende que o tratamento psicanalítico com as crianças autista está em proporcionar o advir da fala enquanto sujeito, o que as leva a superar uma organização deficitária do ‘eu’, pois a criança pode então começar a operar toda uma série de processos psíquicos capazes de suprir o que falha em seu funcionamento mental.
A intervenção clínica necessita começar o quanto antes, pois vai constituir um fator chave para as possibilidades de mobilização. Laznik-Penot não deixa de considerar a existência de um déficit seja ao nível de neurotransmissor ou de anomalia genética na constituição da patologia, como fator precipitante na dificuldade da criança autista em enviar sinais adequados para sua mãe. Entretanto, isto de forma alguma modifica o trabalho clínico que o psicanalista tem a fazer, mesmo porque esta autora aponta os efeitos que uma psicoterapia precoce tem sobre o aparato neurológico da criança, o que revela a intricação entre o orgânico e o psíquico.
Laznik-Penot amplia o papel do analista ao dizer que é preciso operar como tradutor também para os pais das crianças autistas. As condutas estereotipadas e as reações paradoxais das crianças autistas desorganizam seus pais, inclusive ocultando para estes pais o valor de qualquer fala, expressão sonora ou comportamento produzido pelo seu filho. Este papel de tradutor do analista permite aos pais olhar seu filho de uma outra forma, começar a enxergar nele um sujeito.
Esta autora se aproxima de Winnicott, quando coloca que a partir deste trabalho de tradução: “… a mãe poderá reencontrar sua capacidade de ilusão antecipatória; ou seja, sua aptidão para apreender uma significação aí onde, possivelmente, haja apenas massa sonora – o que Winnicott chama de a loucura necessária das mães” (1997:11). Loucura de escutar uma significação onde há apenas massa sonora, loucura que permite a esta mãe o direito de escolher um sentido em detrimento de tantos outros possíveis.
O depoimento do pai de um dos pacientes de Laznik-Penot nos permite ver a importância de se quebrar esse círculo vicioso que se cria e que retira da criança autista seu lugar como sujeito que envia mensagens: “Quando a fala é escutada como uma fala que tem significação, a criança pode se lançar a produzir outras, deixar desdobrar redes de sentido entre as frases. Pode, principalmente, ao construir frases, construir-se de uma maneira diferente de antes, quando sua fala caía quase que sistematicamente no vazio” (1997, p.12).
Um outro ponto importante que Laznik-Penot descorda de Kanner é em relação à inversão pronominal, característica presente na linguagem das crianças autistas. Para esta autora: “As falhas de inversão pronominal, que testemunham a ausência de constituição da instância do me⁄mim podem também nos dar referências clínicas sobre o que deve vir do outro para que uma criança possa se assumir como sujeito do seu próprio enunciado” (1997, p.108).
O pensamento psiquiátrico sobre essa inversão pronominal das crianças denominadas autistas, reduz essa ocorrência a uma certa limitação de suas capacidades intelectuais. Na psicanálise, entretanto, esta inversão pronominal implica não em uma limitação enquanto um déficit, mas sim em uma impossibilidade destes pacientes em se colocarem no papel de sujeito, indicando uma falha no desenvolvimento do ‘eu’. Ao contrário de Kanner, Laznik-Penot vê na linguagem da criança autista a chave pra desvendar os mistérios que circundam esta forma particular de estar no mundo.
Autores mais atuais, como Thomas Ogden e Geneviève Haag vão voltar seus trabalhos teóricos para as primitivas e importantes vivências sensoriais, como elemento essencial da constituição psíquica, onde o autismo figura como uma falha ou uma desarmonia nesta forma elementar de experenciar e de estar no mundo.
Thomas Ogden (1989) traz uma concepção inovadora ao utilizar o termo autista-contíguo para fazer referência a características específicas do modo mais primitivo e universal de gerar experiências, por considerar as posições esquizoparanóide e depressiva de Klein inadequadas para expressar o desenvolvimento da psique primitiva. Segundo o autor, estas três posições possuem uma relação de simultaneidade interativa uma com as outras, na medida em que estes três modos de gerar experiência representam todas as dimensões da experiência humana. Cada um destes modos de gerar experiência, leva a um estado vivencial caracterizado por suas próprias formas distintas de angústia, tipos de defesa, graus de subjetividade, formas de relação de objeto, tipos de processo de internalização, etc. O termo “autista” usado por Ogden não possui o mesmo sentido atribuído pela psiquiatria de designar uma forma severa de psicopatologia infantil.
A posição autista-contígua, segundo Ogden, por ser a mais elementar das formas de atribuir significado à experiência, pois opera desde o nascimento, é, de acordo com o autor, “ uma organização psicológica na qual a experiência do self está baseada na ordenação da experiência sensorial, particularmente das sensações na superfície da pele” (p.31). Assim sendo, o autor coloca que o modo autista-contíguo, por ser dominado pelas sensações, proporciona a maior parte da base sensorial da experiência do sujeito e o senso de self vai sendo, assim, constituído pela experiência rítmica e contínua das sensações.
Ogden caracteriza a posição autista-contígua por sua própria forma particular de relação de objeto, onde o objeto é uma experiência sensorial. O autor coloca que tal experiência é uma sensação de “ser-sensação” (p.32), portanto busca se apoiar nos trabalhos de Bick, Meltzer, Tustin, Bion e Winnicott para enfatizar a importância das vivências de continuidade sensorial, onde o outro se faz absolutamente necessário. Portanto, a experiências sensoriais, derivando das necessidades físicas, vão tomando um caráter rítmico que levam a constituir um senso de continuidade de ser que além de ser o berço das experiências de self, permite a posterior relação com os objetos.
Por ser um modo de gerar experiências dominado pelas sensações e, então, pré-simbólico, Ogden (1996) ressalta a dificuldade de se traduzir essas experiências em palavras, mas já considera este sujeito como sujeito da psicanálise, em suas próprias palavras: “Quando falo do sujeito da psicanálise, refiro-me ao indivíduo na sua capacidade de gerar uma sensação ‘eu-dade’[15] que experencia (subjetividade), por mais rudimentar e não-verbalmente simbolizada que essa sensação de eu-dade possa ser.” (p.12)
Ogden (1996) aponta para os prejuízos que se formam quando ocorre uma quebra nessa experiência de continuidade sensorial, sentido pelo sujeito como uma queda interminável acompanhado de um sentimento de terror inominável, pela sua precocidade e magnitude. Ao descrever a angústia desta quebra, o autor diz: “… a angústia predominante é a do colapso da sensação de demarcação sensorial, sobre a qual estão baseados os rudimentos da experiência de um self coeso. Essa perda de delimitação é vivenciada como terror de cair ou d escoar num espaço sem forma e sem fim.” (p.135).
O terror da descontinuidade das experiências sensoriais cria formas específicas de defesa, Ogden (1989) se refere às descrições de Bick (1968) acerca da formação de uma segunda pele protetora, ao mecanismo de identificação adesiva de Meltzer (1975) e ao uso dos objetos autísticos de Tustin (1980) por serem forma patológicas de se defenderem mediante tamanho terror que vivenciam nesta quebra de continuidade sensorial. Esse isolamento oriundo dos mecanismos de defesas, segundo Ogden, seria uma espécie de colapso da subjetividade e da intersubjetividade.
Geneviève Haag (2000) traz uma concepção importante para aqueles que se propõe a cuidar das crianças autistas. Esta autora considera o autismo como a mais precoce das psicoses infantis, entretanto, baseada em sua experiência clínica, acredita que as crianças autistas não estão completamente e continuadamente imersas em estados autísticos, pois essa modalidade de sofrimento petrifica o movimento pulsional interrompendo o fluxo do desenvolvimento psíquico e emocional, o que seria incompatível com a sobrevivência. As defesas autísticas paralisam essas crianças. Haag foi motivada a desenvolver esse pensamento pela constatação, dentro do setting analítico, de que uma grande parte da personalidade dessas crianças se desenvolve de forma misteriosa, assim como acontece com a linguagem e a experiência corporal e espacial.
Haag diz que nos estados autísticos a criança é dominada pela angústia acerca do seu eu corporal. A angústia que permeia a autismo, segundo a autora, é uma angústia tão arcaica que é sentida no próprio corpo. Há uma completa falta de integração sensorial, o que impossibilita a formação do sentimento de envelope com ele mesmo, pois é o estabelecimento da integração sensorial que leva à capacidade de poder realizar identificações projetivas (o conceito de envelope será melhor compreendido no capítulo 3).
De acordo com Haag, o primeiro passo na clínica com as crianças autistas é alcançar os seus níveis mais arcaicos de experiência, sendo essencial buscar uma estabilidade do quadro espacial e temporal. A autora ressalta que estes níveis de experimentação nos levam ao encontro dos preciosos elementos simbólicos que se constroem no eu corporal. O analista deve, portanto, oferecer seu próprio corpo como setting, para que numa primeira fase do tratamento aconteça uma proximidade corporal com o intuito de possibilitar a constituição do eu corporal da criança autista.
Com as crianças autistas, Haag acredita ser necessário restabelecer as respostas tônicas, sensoriais e possivelmente alucinatórias, pois a organização espacial dessas crianças não as permite de projetar por não haver a percepção de uma bidimensionalidade. Meltzer (1980) também descreve a patologia pós-autística em termos de um distúrbio da dimensionalidade, da impossibilidade de integração das dimensões interna e externa do self e interna e externa do objeto. A estereotipia, segundo Haag, surge como uma defesa contra esta dificuldade em perceber as intenções do outro.
Haag resgata a idéia original de Bion (1970) acerca da função continente do analista de poder servir de suporte às primeiras emergências, aqui no caso com a criança autista, anterior à própria capacidade de representação. Haag enfatiza uma construção ou reconstrução corporal-psíquica como finalidade da primeira etapa do tratamento das crianças autistas, para possibilitar, então, uma progressiva capacidade de individualização e o uso do simbólico.
A clínica com as crianças autistas levou Haag a buscar em atores mais atuais, descrições que abordem a formação dessa superfície feita de experiências sensoriais que são a base para a formação do eu. A autora se apóia nas idéias de Anzieu (1989) a respeito da “pele” psíquica, no sentido de uma extensão entre o sensório e o psíquico.
2.5 – Paradoxos e contradições sobre o autismo
O pensamento de Kanner marcou grande parte de toda produção teórica sobre o autismo. Sua obra acerca do autismo é composta de 16 artigos, publicados entre 1943 e 1972, mas o texto mais conhecido e mais citado é o artigo e 1943, onde inaugura essa nova síndrome. Cada teórico utilizou o texto de Kanner para desenvolver seus pensamentos baseados em suas atividades clínicas. E segundo alguns autores, mais do que uma síndrome, Kanner criou um campo de controvérsias, tornando ainda mais difícil conceituar o autismo, bem como intervir junto às crianças com esta sintomatologia e seus familiares.
Berquez (in Lebovici 1991) foi um dos principais autores que refletiu sobre a obra de Kanner do ponto de vista metapsicológico. Este autor escreveu um artigo sobre a evolução do pensamento de Kanner a respeito da síndrome do autismo infantil precoce, desde seu artigo inaugural em 1943 até seus escritos do final da década de 60. Ainda que a definição clínica do autismo seja amplamente aceita dentro da comunidade científica, uma das principais conseqüências teóricas acerca da evolução do pensamento de Kanner diz respeito à questão essencial de como concerne a interpretação que se dá à síndrome, seja do ponto de vista da etiologia ou da patogenia, pois o próprio Kanner variou sua concepção sobre o autismo.
A tendência de Kanner em abandonar a perspectiva psicodinâmica, que dizia respeito à interação da criança com seu ambiente e às psicopatologias dos pais, trouxe sérias conseqüências. Kanner tinha em mãos um rico material de pesquisa, mas que foi sendo deixado de lado para que pudesse “provar” o caráter inato da patologia.
Para seguir em suas pesquisas, Kanner se colocou contrário ao tratamento psiquiátrico e psicoterápico, já que camuflado sob uma ligeira melhora, a evolução do tratamento não era satisfatória para se justificar a necessidade e a utilização de tais recursos. Kanner “aprisionou” estas crianças, e é esta perspectiva que ainda encontramos nos manuais de psiquiatria ainda hoje. O tratamento psicanalítico não era considerado adequado pois, de acordo com o pensamento de Kanner, em seus últimos escritos, os pais não são culpados pelo surgimento do autismo na criança.
Tudo isto levanta questionamentos acerca do tipo de pesquisa que se é realizada e o que se pretende, pois cada método de investigação visa uma resposta diferente do mesmo objeto. A pesquisa médica, por exemplo, busca se apoiar nas teorias que possam ser objeto de verificações e de predições, o que parece de certa forma negligenciar a importância e a influência da subjetividade e da intersubjetividade.
Berquez acredita que as teorias biológicas e psicodinâmicas não são opostas, elas devem ser examinadas como pertencendo a níveis epistemológicos diferentes. Cada um destes modelos etiopatogênicos vincula-se a uma determinada concepção terapêutica que freqüentemente é adotada como alternativa única e excludente de tratamento. Se prender unicamente a uma possibilidade de intervenção e tratamento priva a criança autista de se beneficiar de outros recursos que ao invés de serem excludentes deveriam ser complementares, porque o problema do autismo e das psicoses na infância demanda um feixe de procedimentos terapêuticos multi e transdisciplinares. Essa oposição entre organogênese e psicogênese ainda traz discussões ultrapassadas e inférteis.
Pesquisas que datam da década de 80, argumentam que o autismo não poderia ser explicado apenas por uma determinada anomalia genética, pois “a suscetibilidade genética a uma certa doença implica a intervenção de variáveis de natureza tanto neurobiológica e neuroimunológica quanto psicológica. Em outras palavras, a relação do filhote humano com seu mundo externo influencia o desenvolvimento do sistema nervoso central, que não é necessariamente determinado pela herança genética.” (Tafuri 2003, p.128)
Cavalcanti & Rocha (2001) reuniram em seu livro “Autismo: construções e desconstruções” as mais variadas descrições, desde a concepção presente na neurologia que acentua os déficits e insiste em sua determinação puramente orgânica, até na psiquiatria onde uma parcela deste grupo considera o autismo como um distúrbio psicoafetivo, enquanto a outra parcela defende a posição inata de Kanner buscando a todo custo comprovar a origem geneticamente determinada desta patologia.
Dentro da psicanálise não foi diferente, e este tema também trouxe grandes controvérsias entre os diversos autores que se dedicaram de certa forma ao estudo sobre o autismo e a atividade clínica com estes pacientes.
Frances Tustin,como vimos acima, influenciada pela teoria kleiniana descreve o autismo como uma defesa ante um encontro demasiado prematuro e um tanto traumático com o mundo externo em um momento muito primitivo do seu desenvolvimento psíquico, levando a criança a realizar um retraimento profundo, mais arcaico que as psicoses e comprometendo de forma avassaladora todo o processo de constituição psíquica. Em seu percurso trouxe idéias até mesmo contrárias sobre a existência de um estágio do desenvolvimento psíquico que seria o “autismo normal”, conceito introduzido por Mahler na década de 1970. Mahler, por sua vez, pensa que nos casos de autismo infantil precoce, uma tensão de tal amplitude afeta um organismo num estado tão precoce do desenvolvimento que destrói a percepção que a criança tem de sua mãe na interação parental. Cria-se um ciclo vicioso, onde a atitude da criança indica uma rejeição maternal consciente ou inconsciente e esta rejeição por sua vez agrava e aumenta as perturbações reacionais, estabelecendo, assim, uma dificuldade de contato afetivo.
Como vimos acima, Tustin coloca que o conceito freudiano do narcisismo primário não dava conta de descrever o mecanismo mental primitivo que parece associado ao que designava como “autismo normal”, já que este era um tipo de funcionamento mental dominado por sensações. Assim sendo, tanto as disposições inatas quanto à qualidade da relação dos pais com o seu bebê recém-nascido são elementos determinantes para que o bebê possa então avançar de um momento onde seu mundo está preenchido apenas por sensações para um momento posterior onde passa a perceber a realidade.
Em 1991, em um de seus últimos escritos, Tustin apresenta o artigo “A perpetuação de um erro”, onde reconhece que o conceito de autismo normal é um erro. Como ela mesma descreve “uma percepção tardia e dolorosa”(p.70) Tustin se inclui no conjunto de psicanalistas que por muitas décadas investiu numa forma errônea de compreender o autismo. Neste artigo ela tenta reorganizar suas idéias sobre o autismo baseada tanto nos achados sobre as capacidades dos bebês, quanto na sua experiência clínica, em especial no caso John (que veremos detalhadamente no próximo capítulo). Ela então defende que “não há um estágio infantil normal de autismo primitivo para o qual autismo infantil seria uma regressão” (p.63). Tustin ainda acrescenta dizendo que este erro tinha sido baseado em premissas incompletas e inacabadas, distorcendo formulações clínicas e teóricas e dificultando a comunicação entre os teóricos, bem como na própria relação analítica com a criança.
A experiência clínica com essas crianças, e em especial o caso John, fez com Tustin percebesse que estas crianças podiam entender muito mais do que ela acreditava que elas fossem capazes. Tustin havia subestimado a capacidade criativa destas crianças. Foi então que percebeu, que as formulações kleinianas que usou durante o tratamento não foram suficientes para cobrir o que ela havia experimentado com John, buscando amparo em Mahler e Winnicott.
As origens deste erro estão lá no começo e carregadas de preconceito. A hipótese de uma fase normal autística no desenvolvimento infantil foi largamente aceita pois parecia ser consoante com algumas afirmações feitas por Freud, entretanto, as idéias de Freud foram usadas de forma fragmentada, distorcendo o seu pensamento. Tal qual foi a maneira como Mahler usou. Entretanto muitos psicanalistas viram a teoria de Mahler como congruente e, então, representativa da teoria freudiana. Tamanho era o desamparo e o despreparo da comunidade científica da época em lidar e em compreender estas crianças que ansiavam pelo desejo de certeza, se apegando a uma certeza distorcida. Algumas tentativas de ir contra esta teoria foram rejeitadas e nem mesmo aceitas para a publicação. A resistência para discutir novas idéias que entram em conflito com o que se acredita que são os pontos de vista de Freud foi, e continua sendo, um obstáculo significativo para o progresso científico na psicanálise. Mahler aos 80 anos de idade, assim como Tustin, renunciou ao conceito de autismo primitivo normal como uma fase da primitiva do desenvolvimento infantil.
Tustin então percebeu que o autismo é uma reação protetora que se desenvolve para lidar com o stress associado à ruptura traumática de um estado anormal perpetuado de unidade adesiva com a mãe. O bebê normal desenvolve uma pele sensitiva que o ajuda a sentir-se seguro e que é permeável para a entrada e saída de experiências. Como uma proteção contra o trauma, segundo a autora, a criança autista desenvolveu um isolamento auto-sensitivo que bloqueia esta entrada e saída de experiências. Esta é uma reação de medo, estas crianças estão congeladas pelo medo. Essa reação parece ser causada pelo fato de que um bebê vulnerável, possivelmente com uma predisposição para a depressão, tornou-se consciente da separação da mãe em um conteúdo mental inseguro, onde a qualidade de atenção cuidadosa não foi adequada para esse bebê em particular, experimentando, assim, um sentimento enorme de perda de algo que ele não sabe o que é. No entanto, este bebê possui certa consciência marginal e periférica, pela qual as intervenções terapêuticas podem infiltrar-se.
Tustin (1991) conclui seu artigo dizendo que esta revisão da etiologia do autismo trará uma reorientação significante no tratamento destas crianças, na maneira como falamos e respondemos a estas crianças. E que somente quando houver consistência sobre a etiologia do autismo infantil, será possível um diálogo interdisciplinar. É difícil ser racional demais quando estamos lidando com um material tão elemental.
Tafuri (2003) nos aponta a perpetuação de um outro erro com o uso do termo autismo como sinônimo apenas de patológico, esta é outra distorção do pensamento de Freud. A subtração de Eros surge novamente para nos fazer refletir na perda que se perpetuou e contaminou o pensamento sobre o desenvolvimento tanto normal quanto patológico. Tafuri então lança uma séria questão paradoxal para refletirmos, de como podemos entender a existência de um auto-erotismo normal sem Eros. O termo autismo parece, ele próprio em sua essência, patológico pela retirada de Eros.
Na época dos escritos de Freud, início do séc. XX, como nos aponta Tafuri, o conhecimento acerca das capacidades perceptivas do bebê era muito limitado. Entretanto, Freud ao descrever sua metáfora do “ovo de pássaro” estava interessado em algo mais do que apenas as capacidades perceptivas do bebê, ele buscou, ao utilizar esta metáfora, uma capacidade psíquica originária do bebê em criar sensações prazerosas com o próprio corpo, buscando o prazer e ao mesmo tempo evitando o desprazer.
A utilização que Freud deu para o termo auto-erotismo foi com o intuito de demonstrar que na criança bem pequena a pulsão existente é canalizada para si mesma e não para um objeto externo. Segundo Freud, o bebê ao sugar o próprio dedo está alucinando a satisfação de suas necessidades internas. Tafuri (2003) coloca que “o que leva o bebê a fazer a ligação libidinal com o mundo externo é a percepção de que a alucinação não aplaca, por completo, a sua necessidade de sobrevivência” (p.154). Assim o bebê vai aos poucos conseguindo distinguir entre o seio alucinado e o seio real, o que o levaria a introduzir o funcionamento psíquico do princípio da realidade.
Essa subtração de “Eros” parece ter sido a solução encontrada por Bleuler para resolver suas divergências com Freud acerca da sexualidade como traço predominante na construção do psiquismo.
As conseqüências desta retirada de Eros chegaram a Kanner, que lançou uma sentença sobre as crianças autistas que não almejava alternativa de um prognóstico positivo, e sim apenas uma evolução deficitária e crônica, um caso sem solução, e que, portanto, de nada valeria investir.
Devido às divergências do pensamento de Kanner ao longo de sua obra, junto com a grande necessidade de buscar uma explicação de base orgânica para esse distúrbio, que considerou inato, Kanner foi cada vez mais se diferenciando do espírito revolucionário de Bleuler e adotando uma posição mais parecida com os moldes Kraepelinianos de traçar uma evolução necessária para a patologia. Kanner traçou uma evolução obrigatória dos sintomas afastando as possibilidades de reconhecer o sujeito e a sua subjetividade por detrás dos sintomas. As crianças perderam suas identidades e suas diferenças individuais, ficaram seus sintomas.
Kanner, ao usar o termo autismo com todas as consequências da retirada de Eros, deixou passar informações preciosas, como o seguinte trecho de seu artigo de 1943: “Estas crianças experimentavam o mesmo poder em seu próprio corpo, balançando-se e fazendo outros movimentos rítmicos. Estas atividades e o ardor extasiante que as acompanhava indicam claramente a presença de uma gratificação orgânica masturbatória.” (p.163). Mediante esta colocação feita por ele mesmo, como poderia seguir acreditando que a criança autista não sentia prazer auto-erótico?
Na obra de Kanner houve o desaparecimento do adjetivo “autístico”, Tafuri (2003) ressalta que essa mudança terminológica contribuiu para o reducionismo biológico do termo. Kanner, em 1965, se defende dizendo que foi incapaz de encontrar uma expressão mais concisa para descrever, de forma apropriada, a condição observada.
Em Kanner o termo autismo perde sua amplitude e fica restrito ao patológico. Tafuri (2003), após detalhada análise do termo autismo em Kanner conclui que “o conceito de autismo formulado segundo as suas origens permite uma compreensão para além do sentido da anormalidade ou morbidade que Kanner atribuiu” (p.141).
Para autores de inspiração lacaniana, como vimos em Laznik-Penot, no autismo há uma falência da operação significante, em decorrência da impossibilidade do Outro materno de supor e antecipar um sujeito naquele bebê, o que prejudica a constituição das relações especulares e, conseqüentemente, a formação e a continuidade do circuito pulsional. A grande distinção entre o autista e o psicótico seria que o autista está fora do campo da linguagem, enquanto o psicótico está na linguagem mas não se enquadra no discurso, como coloca Kupfer (1999).
Todas estas divergências produziram e ainda produzem teorias e modos de intervenção os mais diversos, muitos ainda associados às idéias de déficit, de um mundo psíquico desvitalizado, vazio e até mesmo inexistente. Pela complexidade do próprio termo “autismo” e todas as consequências aí envolvidas, as crianças autistas foram colocadas na fronteira da humanidade, como denomina Hochman (1997).
Descrever os autistas como “carapaças”, “fortalezas vazias”, “seres sem linguagem” e “inacessíveis ao contato humano” fizeram a própria comunidade científica desacreditar no investimento e na intervenção a favor dessas crianças. Fizeram com que os próprios pais não conseguissem enxergar um sujeito por trás de tantos conceitos pré-concebidos de forma errônea, pois são metáforas que definem pelo déficit, pela ausência de desejo, de fantasia, de relação com o mundo e com a vida. Seguindo estas concepções deficitárias e limitantes, fica a questão: Como é possível pra nós psicólogos e psicanalistas nos colocarmos no lugar destas crianças?
Esta invenção de Kanner prejudicou em demasiado os cuidados dispensados às crianças que padecem de sofrimento psíquico grave no início da vida. Kanner, ao contrário de Bleuler, valorizou por demais a vertente das impossibilidades destas crianças, enfatizando as faltas e os “nãos” associados às incapacidades destas crianças. Esses tantos “nãos” amputaram das crianças autistas sua humanidade e, portanto, as possibilidades de cura. Os psiquiatras, pediatras e neurologistas chegam a duvidar do diagnóstico quando estas crianças obtêm êxitos nos tratamentos psicanalíticos, a final de contas o percurso médico levou-se a acreditar que “autista de verdade não tem cura”. O autista passou a ocupar até mesmo um lugar no imaginário cultural de déficit, de distúrbio incapacitante e sem cura.
A forma como Kanner se refere à incapacidade das crianças autistas em estabelecer contato afetivo, parece que arranca delas toda e qualquer capacidade de ter sentimentos, o que parece ter sido aceito de forma tão passiva durante todas estas décadas, levando pais e profissionais a interpretarem as reações destas crianças como mal-estares de ordem física. Estas crianças ficaram marcadas pelas metáforas aprisionantes e incapacitantes, metáforas que pareciam atualizar e confirmar estas crenças. Kupfer se refere à insistência de Kanner em afirmar a inaticidade da patologia, como uma trágica forma que desresponsabiliza os cuidados e o trato com essas crianças, desimplicando pais e profissionais dos destinos subjetivos destas crianças.
Os escritos de Kanner precisam ser tomados como exemplo de como as tentativas de teorização podem comprometer os achados clínicos e de como a apropriação que a psicanálise fez desta nosografia de autismo fez com que os teóricos percorressem caminhos confusos e contraditórios.
De acordo com Tafuri (2003), “a saída para o impasse pode estar ainda na metáfora do “ovo de pássaro” de Freud, refletida à luz das considerações de Winnicott sobre a experiência paradoxal de o bebê estar só, insulado, na presença da mãe”.(p.156)
Winnicott considerou desde o início desnecessário o estabelecimento da diferenciação entre o autismo e as psicoses infantis, justamente por ser um aspecto iatrogênico e, portanto, prejudicial ao tratamento dispensado às crianças autistas.
Apoiado em suas experiências com as mães e seus bebês, Winnicottt (1957) coloca que a capacidade de estar só inicia ainda nas primeiras relações do bebê com sua mãe, pois voltando ao que dizia Freud (1911), não é possível pensar no bebê sem os cuidados de sua mãe. É justamente nesta forma de se re-aproximar de Freud que “Winnicott permitiu que se organizassem reflexões sobre as noções da metáfora do ovo, a satisfação autística e a dependência absoluta.” (in Tafuri 2003, p.158)
Ricoeur (1983) em sua obra “A metáfora viva” permite, assim como Winnicott, elaborar uma nova analogia, como também fez Anne Alvarez (1992) em sua “Companhia Viva”. Os autistas passam a ser entendidos como “metáforas vivas” se prestarmos atenção no que o encontro com essas crianças reflete em nós: um fascínio, uma sensação de desamparo, o imprevisível, algo da ordem de um estranho-familiar.
Os sentimentos contratransferenciais em relação às crianças autistas vai nos conduzir de volta a Eros, como nos mostra Tafuri (2003). A autora coloca que: “A noção de satisfação autística vem ao encontro da idéia da metáfora viva, pois, na casca do ovo, o lactente cria um mundo interno ilusório, não por estar fechado de forma sedimentada aos estímulos externos, mas por poder perpetuar internamente as sensações prazerosas provenientes do contato com o meio externo.” (p.159).
Winnicott, retomando Freud, dá uma outra significação tornado-as metáforas vivas porque o próprio fechamento autístico é refletido como uma participação ativa que a criança autista tem diante da realidade externa. A necessidade em manter a mesmice passa a ter um sentido próprio, uma busca de significados, como toda psicopatologia. Como vimos acima, Laznik-Penot coloca que os comportamentos repetitivos da criança autista operam como um mecanismo de defesa contra lembrança de algum traço mnésico ou de alguma percepção dolorosa vinda do mundo exterior, para evitar o contato com as pessoas.
O uso do termo autismo por Kanner se voltou apenas pelo que de deficitário está associado ao termo, e ao qualificar de inato este distúrbio do contato afetivo acaba com qualquer possibilidade de intervenção, incapacita por completo essas crianças e condena seu futuro, paradoxalmente, Kanner aprisionou e isolou o autista do contato com o mundo externo.
Melanie Klein vê em Dick um desenvolvimento anormal do ego, referindo-se a um quadro de grave inibição afetiva. Klein investe para além do déficit, ela viu que apesar do isolamento extremo, ali na relação analítica com a criança as pequenas produções sonoras da criança podiam ser interpretadas e compreendidas. Em sua aposta, Klein criou condições terapêuticas para a cura.
Winnicott nos diz que é preciso conviver e não tentar solucionar este paradoxo que se formou em torno do conceito e do uso do termo autismo. Este paradoxo nos impulsiona a buscar novas respostas, a desconstruir e reconstruir este conceito. As crianças autistas possuem um modo de subjetivação singular, e ao contrário do que colocava Kanner, estabelecem contato e comunicam-se a sua maneira. O autismo nos faz repensar no ideal de subjetivação da própria teoria psicanalítica.
Tafuri (2003) propõe uma compreensão do conceito de autismo como um retorno as suas origens, para além do sentido da anormalidade ou morbidade que lhe foi atribuído pela psicopatologia de Kanner. O autismo enquanto sintoma relacionado ao prazer do isolamento e à linguagem metafórica da criança autista. Ceder no que a palavra traz consigo, prejudica o entendimento e conseqüentemente a maneira de se compreender e lidar com tudo aí envolvido.
Mas não seria paradoxalmente a retirada de Eros a grande questão para compreendermos esta retirada autista destes bebês? Pois se esse bebê não teve a gama de experiências prazerosas suficiente para lhe proporcionar condições de seguir em seu desenvolvimento psíquico, pode-se pensar na falta de Eros como uma falta de investimento libidinal, e portanto da impossibilidade de internalização de experiências prazerosas. Será que faz jus à retirada de Eros do termo autismo para essas crianças? Não impossibilitando de ver uma saída como Kanner, mas da saída ser justamente a erotização destas crianças, no sentido de proporcionar oportunidades de experenciar sensações prazerosas suficientes para abandonar as defesas autísticas e seguir seu desenvolvimento psíquico. Klein fez este trabalho, a sua maneira, com o pequeno Dick, falou da erotização do menino quando disse ter sido possível desenvolver ao mesmo tempo a libido e o ego.
Acredito que a retirada de Eros da forma como foi feita e o uso que Kanner fez do termo, prejudicou o entendimento e o futuro dessas crianças, como se não fossem seres dotados de subjetividade, pelo contrário, a própria retirada autista é uma escolha, uma forma de subjetivação patológica, mas de subjetivação. Mas falta justamente a questão da erotização, do desenvolvimento pulsão e seus destinos. A retirada de Eros impossibilita o autismo de figurar dentre as possibilidades de subjetivação humana, já que a subjetivação passa pela erotização no sentido de experiências sensoriais prazerosas que inaugurem e sustentem o psiquismo.
O termo autismo atingiu um verdadeiro paradoxo, e a maior conseqüência deste paradoxo é a maneira como se olha e o quanto se investe nas potencialidades destas crianças. A retirada de Eros trouxe quase que uma “sentença de morte”, já que por muito tempo na história da psicopatologia infantil nenhum futuro e nenhum investimento foi atribuído às crianças acometidas pelo autismo infantil precoce, a síndrome de Kanner. E a solução do paradoxo não é a de se arrumar então uma nova designação, mas conviver com o que este paradoxo trouxe, expandindo a visão que perdurou por quase um século calcado sob o uso de um termo tão “deficitante”.
Se soubermos olhar para essas crianças com o mesmo espírito que Freud ouviu as histéricas e Bleuler aos esquizofrênicos, veremos muito mais do que o que o termo autismo aprisiona. Veremos que a retirada autista foi a maneira como estas crianças conseguiram, frente ao seu limitado recurso psíquico, de se manterem vivas frente às ameaças do mundo externo. Foi uma escolha e talvez a única que podiam neste momento tão primitivo, mas uma escolha ativa, como paradoxalmente disse o próprio Kanner, estas crianças “negam” e “excluem” o contato com os outros, sempre ativas, e não sofrendo de forma passiva algo da qual foram acometidas até mesmo pela insistência de Kanner sobre a origem inata da síndrome.
Hochman (1984) toma uma posição bastante incisiva quando coloca que mais do que manter os outros à distância, o autista protege-se de qualquer intrusão interna ou externa. Seria errôneo dizer que essas crianças não trocam com o meio externo depois de constatarmos todo este esforço que fazem para manter a mesmice e a distância daquilo que vem a representar um perigo. Tudo o que não vemos nessas crianças é a passividade que Kanner tão contraditoriamente defendeu, arrancado destas crianças sua subjetividade.
Hochman questiona se não estaria justamente nesta recusa em ser interrompido de seu isolamento autístico a evidência da subjetividade no autismo, pois é uma maneira própria de estar no mundo. Este seria uma crítica ao conceito de obsessão tão fortemente defendido por Kanner ao descrever essas crianças. Tudo o que era produzido por essas crianças como os ruídos, a fala, os movimentos e todos os seus atos, Kanner os descreveu como puras repetições monótonas. Essa extrema obsessão ansiosa de que tudo permanecesse o mesmo e que ninguém pudesse romper, exceto elas mesmas em alguns momentos, era a maneira como estas crianças se relacionavam com o meio e as pessoas a sua volta, isso Kanner não percebeu, pois apenas se ateve às limitações na variedade das suas atividades espontâneas, regidas pelo medo da mudança e da incompletude.
Quando o próprio Kanner fala dessa necessidade imperiosa, dessa obsessão em manter a mesmice, de que tudo permaneça o mesmo, ele se contradiz frente a todas as incapacidades, as quais descreve a criança que chamou de autista. Essa obsessão é, de fato, a maneira como estas crianças se relacionam com as pessoas e o meio a sua volta, é uma forma de controle “elaborada” que se contrapõem aos déficits que lhes são atribuídos. Mas Kanner não se ateve a isso, pois sua preocupação era de se ater aos déficits.
Resgatando o espírito acolhedor de Winnicott, é preciso, então, alcançar a potencialidade criativa que existe nestas crianças, que não estão totalmente isoladas do mundo, até mesmo porque mantém um tipo de relação de não quererem ser perturbadas. Pois de alguma forma sua criatividade primária se encontra preservada e cabe a nós psicanalistas alcançar um meio de encontrá-la.
Nas últimas décadas vemos um esforço permanente e incansável no sentido de esclarecer e identificar cada vez mais os componentes etiológicos primários que operam direta ou indiretamente na produção destas estruturas patológicas, na tentativa de buscar alternativas terapêuticas que se revelem efetivas no tratamento dessas crianças, de forma a evitar as evoluções deficitárias e incapacitantes.
Mas estas preocupações de clarificação semiológica, nosográfica e psicopatológica se chocam com duas ordens de dificuldade. Por um lado há uma enxurrada de trabalhos de ordem neuropsicológicos, achando problemas perceptuais, sensibilidade sensorial excessiva, entre outras, levando à dificuldade de comunicação. De outro lado os próprios psicanalistas pós-kleinianos descrevem formas particulares de “autismos”. É o caso de Tustin quando fala do autismo com carapaça, ou de Meltzer quando evoca as identificações adesivas, etc. De certa forma, o autismo infantil ainda se mostra como um mistério, o “X” da psiquiatria moderna.
De qualquer forma o autismo deve ser pensado com uma das possibilidades de constituição da subjetivação humana.
Este texto é parte da dissertação de mestrado de Vanessa Lazary,
Defendida em 2005 na Universidade de Brasília
No departamento de Psicologia Clínica e Cultura
Do Instituto de Psicologia.
* As citações de Léo Kanner são extraídas do seu texto original de 1943 em inglês e se encontram nas notas de rodapé. As traduções utilizadas no texto são retiradas da versão realizada por Mônica Seincman e publicada no livro Autismos de Paulina Rocha (1997)
[1] “…children whose condition differs so markedly and uniquely from anything reported so far, that each case merits – and I hope, will eventually receive – a detailed consideration of its fascinating peculiarities.” P.01 Léo Kanner, 1943.
[2] “Autistic Disturbances of Affective Contact”, Léo Kanner 1943
[3] “Early Infantile Autism”, Léo Kanner 1944
[4] “…individual differences in the degree of their disturbance, the manifestation of specific features, the familiy constellation, and the step-by-step development in the course of years” (p.33), Léo Kanner 1943
[5] “The outstanding, ‘pathognomonic’, fundamental disorder is the children’s inability to relate themselves in the ordinary way to people and situations from the beginning of life” (p.33), Léo Kanner 1943
[6] Kanner utilizou o termo “alucines” (isolamento) e o termo “extreme autistic aloneness” (fechamento autístico extremo) para descrever o estado apresentado pelas crianças observadas neste estudo.
[7] “There is an all-powerful need for being left undisturbed. Everything that is brought to the child from the outside, everything that changes his external or even internal environment, represents a dreaded intrusion” (p.35), Léo Kanner 1943
[8] “Obsessiveness” p.40
[9] “Basic desire for aloneness and sameness” p.41
[10] “The basic desire for aloneness and sameness hás remained essentially unchanged, but there has been a varying degree of emergence from solitude, na acceptance of at least some people as being within the child’s sphere of consideration, and a sufficient increase in the number of experienced patterns to refute the earlier impression of extreme limitation of the child’s ideational content.” (p.41) Léo Kanner 1943
[11] “The children’s aloneness from the beginning of life makes it difficult to attribute the whole picture exclusively to the type of the early parental relations with our patients.’ (p.42) Léo Kanner 1943
[12] “… examples of inborn autistic disturbances of affective contact” (p.43) Léo Kanner 1943
[13] in Laplanche e Pontalis “Vocabulário de Psicanálise”, 1985, p.79.
[14] “Naissance de l´Autre”
[15] O termo original em inglês é “I-ness”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVAREZ, A. (1992). Companhia Viva: psicoterapia psicanalítica com crianças autistas, bordelines, carentes e maltratadas. Porto Alegre: Artes Médicas.
ANZIEU, D. (1989). O eu-pele. São Paulo: Casa do Psicólogo.
BEHLAU, M. & ZIENER, R. (1989). La voz entre cuerpo y lenguage. In: MANONI, O. Puntualizaciones psicoanalíticas. Buenos Aires: Trieb.
BERLINCK, M. (1993). A Psicanálise em cursos de ciências sociais. In: Psicanálise da vida cotidiana.São Paulo: Escuta.
BERLINCK, M. (1999). Autismo, paradigma do aparelho psíquico. In: Estilos da Clínica. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, v. 4, n. 7, p.30-42.
BERQUEZ, G. (1991). O autismo infantil e Kanner. Estudo histórico e conseqüências teóricas. In: LEBOVICI, S. Autismo e psicoses da criança. Porto Alegre: Artesmédicas, p. 20-30.
BETTELHEIM,B.(1987). A fortaleza vazia. São Paulo: Martins Fontes.
BICK, E. (1968). The experience of the skin in early object-relations. International Journal of Psycho-Analysis, v. 49, p. 484-486.
BION, W.R. (1962). Learning from Experience. Londres: Heinemann.
BION, W.R. (1970). Atenção e Interpretação. Trad. Paulo Dias Corrêa. Rio de Janeiro: Imago.
BLEULER, E. (1911). Dementia Praecox oder Grupp der Schizophrenien. Tradução Resumida para a língua francesa por Henri Ey. Paris: Anaclitis 1964.
BRAZELTON, T.B. (1981). Le Bébé: partenaire dans l’interacton. In: BRAZELTON et coll. (1982). La Dynamique du nourrisson. Paris: E.S.F., p. 11-27.
CASTERÈDE, M. (1991). La voix et sés sortelèges. Paris: Les Belles Letres.
CAVALCANTI, A. & ROCHA, P. (2001). Autismo: construções e desconstruções. São Paulo: Casa do Psicólogo.
DOLTO, F. (1984). L’image inconsciente du corps. Paris: Seuil.
FEDIDA, P. (1992). Auto-erotismo e autismo, condições de eficácia de um paradigma em psicopatologia. In: MENEZES, L.C. (org) Nome, figura e memória. A linguagem na situação psicanalítica. São Paulo: Escuta, p.149-170.
FERRO, A. (1998). Na sala de análise. Rio de Janeiro: Imago.
FREUD, S. (1895). Projeto para uma psicologia científica. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud. Tradução sob a direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 1, p. 333-443.
FREUD, S. (1896). A Hereditariedade e a Etiologia das Neuroses. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud. Tradução sob a direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 2, p. 143-161.
FREUD, S. (1900). A interpretação dos sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud. Tradução sob a direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 4 e 5.
FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud. Tradução sob a direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 7, p. 117-228.
FREUD, S. (1911). Formulações sobre os Dois Princípios do Funcionamento mental. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud. Tradução sob a direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 12, p. 231-243.
FREUD, S. (1914). Sobre o Narcisismo: uma Introdução. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud. Tradução sob a direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 14, p. 75-109.
FREUD, S. (1926). A questão da análise leiga. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud. Tradução sob a direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 20, p. 173-247. GRANIER-DEFERRE, C., BUSNEL,M.-C., LECAUNET, J.-P. & LEHMANN, A.-G.
(1989). La sensorialité fetal. In: Psychopatologie du bébé. Paris: Arnette, p. 157-164.
HAAG, G. (2000). La pratique psychanalytique ave les enfants autistes: aménagements techiniques, processus possibles, développements métapsychologiques. In: Pratiques de la Psychanalyse. Paris: PUF, p.75-86.
HANNS, L. (1996). Dicionário comentado do alemão de Freud. Rio de Janeiro: Imago.
HANNS, L. (1999). A teoria pulsional na clínica de Freud. Rio de Janeiro: Imago.
HOCHMANN, J. (1997). Cordélia ou le silence dês sirenes: une relecture de l’autisme infantile de Kanner. In: RIBAS, D & PERRON, R. Autismes de l’enfance. Paris:
PUF.
KANNER, L. (1943). Autistic disturbances of affective contact. In: Nervous Child, v. 2,3, p.217-250.
KANNER, L. (1944). Early infantile autism. In: Journal of Pediatrics. v. 25, p. 211-217.
KANNER, L. (1949). Problems of nosology and psychodinamics in early infantile autism. In: American Journal of Psychiatry, v. 19, p.416-426.
KANNER, L. (1958). The specificity of early infantile autism. In: Acta Paedopsychiatry, 25, n. 1-2, p. 108-113.
KANNER, L. (1965). Infantile autisme and the schizophrenias. In: Behavorial Science. 10, n. 4, p. 412-420.
KAUFMANN, P. (1993). Dicionário enciclopédico de psicanálise. O legado de Freud a Lacan. Trad. Vera Ribeiro e Maria Luiza Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
KLEIN, M. (1930). L’importance de la formation du symbole dans lê développement du moi. In: Essais de psychanalyse. Trad. M. Derrida. (1968) Paris: Payot., p.263-278.
KLEIN, M. (1952). Some theoretical conclusions regarding the emotional life of the infant. In: Developments in psycho-analysis. Londres: Hogarth, p.224-236.
KUPFER, M. (2000). Notas sobre o diagnóstico diferencial da psicose e do autismo na Infância. In: Psicologia. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, v. 11, 195.1, p.85-105.
LAPLANCHE, J & PONTALIS, J.-B. (1985). Vocabulário de Psicanálise. 8A. ed. Trad. Pedro Tamen. São Paulo: Martins Fontes.
LAZNIK-PENOT, M.-C. (1997). Rumo à palavra: três crianças autistas em psicanálise. Trad. Mônica Seincman. São Paulo: Escuta.
LECANUET, J.P., GRANIER-DEFERRE, C. & BUSNEL, M.-C. (1989). Sensorielité foetale: Ontogenèse des systèmes sensoriels, conséquences de leur fonctionnement
fetal. In: Médicine périnatale. RELIER, J.-P., LAUGIER, J. SALLE, L. (eds), Paris: Flammarion, p.201-225.
LECOURT, E. (1987). L’envelope musicale. In: Les envelopes psychiques. ANZIEU, D., Paris: Dunod, p.209-232.
LECOURT, E. (1997). Freud e o universo sonoro: o tique-taque do desejo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Goiânia: UFG.
LEFORT, R. & LEFORT, R. (1980). Naissance de l’Autre. Paris: Seuil.
MAHLER, M., (1979).As psicoses infantis e outros estudos. Trad. Helena Mascarenhas de Souza. Porto Alegre: Artes Médicas.
MAHLER, M. PINE, F. & BERGMAN, A. (1975). O nascimento psicológico da criança. Simbiose e Individuação. Trad. Jane Araújo Russo. Rio de Janeiro: Zahar.
MELTZER, D. (1975). Explorations dans le monde de l’autisme. Trad. Geneviéve Haag et al. Paris: Payot.
MOTTA, S. (2004). Do prelúdio, da sonata e de outras cantatas na constituição do humano. In: O bebê, o corpo e a linguagem. ARAGÃO, R. (org.), São Paulo: Casa do Psicólogo.
OGDEN, T. (1989). On the concept of an autistic-contiguous position. In: International Journal of Psychoanalysis, v. 70, n. 1, p. 127-140.
OGDEN, T. (1994). Os sujeitos da psicanálise. Trad. Claúdia Berliner. São Paulo: Casa do Psicólogo.
PUJOL, R. & UZIEL, A. (1989). Auditory development: peripheral aspects. In: Handbook of human growth and developmental biology, v. 1, Part B: Sensory Motor and integrative development. TIMIRET, P., Boca Raton: Meisamit, p. 109-130.
ROCHA, P. Org. (1997). Autismos. São Paulo: Escuta.
ROSOLATO, G. (1977). La voz entre cuerpo y lenguage. In: Puntualizaciones psiconalíticas. MANONI, O., Buenos Aires: Trieb.
RUBINO, R. (1989). Representando o interlocutor no período pré-linguístico. Dissertação de Mestrado apresentada na Pontifíce Universidade Católica de São Paulo.
SAFRA, G. (1999). A face estática do self. Tese (Livre Docência) Intituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.
SAYERS, J. (1991). Mães da Psicanálise. Trd. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar.
TAFURI, M.-I. (2003). Dos Sons à Palavra: Explorações sobre o Tratamento Psicanalítico da Criança Autista. Brasília: Abrafipp.
TUSTIN, F. (1972). Autismo e Psicose Infantil. Rio de Janeiro: Imago.
TUSTIN, F. (1980). Autistic Objects. In: International Review of Psycho-Analysis,40.7, p.27-40.
TUSTIN, F. (1984). Estados autísticos em crianças. Trad. Joseti Marques Xisto, Rio de Janeiro: Imago.
TUSTIN, F. (1991). A perpetuação de um erro. In: Letra Freudiana (1995), Rio de Janeiro: Revinter, p. 63-79.
VASSE, D. (1977). O umbigo e a voz. Psicanálise de duas crianças. Trad. Luiz João Gaio. São Paulo: Loyola.
WILLIAMS, D. (1992). Nobody Nowhere. The extraordinary autobiography of an autistic. New York: Avon Books.
WINNICOTT, D.W. (1945). Le développement affective primaire. In: De la pédiatrie à la psychanalyse. (1969) Trad. Jeannine Kalmanovitch. Paris: Payot, p.20-36.
WINNICOTT, D.W. (1951). Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In: O Brincar & a Realidade. (1975), Trad. José Octávio de Aguiar Abreu Vanede Nobre, 44.13-44.
WINNICOTT, D.W. (1952). Psycose et soins maternels. In: De la pédiatrie à la psychanalyse. (1969) Trad. Jeannine Kalmanovitch. Paris: Payot, p.187-197.
WINNICOTT, D.W. (1954). Metapsychological and Clinical Aspects of Regression within the Psycho-Analytical Set-Up. In: Though Pediatrics to Psycho-Analysis.
(1958), London: Tavistock, p. 278-294.
WINNICOTT, D.W. (1955). Group influences and the maladusted child. In: The Family and Individual development .(1965), London: Tavistock, p. 146-154.
WINNICOTT, D.W. (1956). La preocupation maternelle primaire. In: De la pédiatrie à la psychanalyse. (1969) Trad. Jeannine Kalmanovitch. Paris: Payot, p.285-291.
WINNICOTT, D.W. (1957). Sobre a contribuição da observação direta da criança para a Psicanálise. In: O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do Desenvolvimento emocional. (1983) Trad. Irineo Constantino Schuch Ortiz. Porto Alegre: Artes Médicas. p. 101-105.
WINNICOTT, D.W. (1958). A capacidade para estar só. In: O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do Desenvolvimento emocional. (1983) Trad. Irineo Constantino Schuch Ortiz. Porto Alegre: Artes Médicas. p. 31-37.
WINNICOTT, D.W. (1962). A integração do Ego no desenvolvimento da criança. In: O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do Desenvolvimento
emocional. (1983) Trad. Irineo Constantino Schuch Ortiz. Porto Alegre: Artes Médicas. p. 55-61.
WINNICOTT, D.W. (1963a). Fear of breakdow. In: Psycho-Analytic Explorations. (1989). London: Karnac Books. p. 87-95.
WINNICOTT, D.W. (1963b). Da dependência à independência no desenvolvimento do indivíduo. . In: O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do
Desenvolvimento emocional. (1983) Trad. Irineo Constantino Schuch Ortiz. Porto Alegre: Artes Médicas. p. 79-87.
WINNICOTT, D.W. (1970). Living Creatively. In: Home is where we start from. (1986) London: Penguin. P. 39-54.
WINNICOTT, D.W. (1971). O Brincar: uma exposição teórica. In: In: O Brincar & a Realidade. (1975), Trad. José Octávio de Aguiar Abreu Vanede Nobre, p. 59-78.